Du Rompa Hammond Trio: música e viagens sonoras

O mais recente álbum do Du Rompa Hammond Trio saiu há poucos meses. O Beijo da Serpente chegou às lojas, inclusive em vinil, pelo selo Blue Crawfish Records. Gêneros como jazz, world music e progressivo cabem bem ao repertório.

Du Rompa é o cara à frente do trio. Toca o órgão Hammond com bastante sensibilidade e profundeza. Cria melodias que ilustram paisagens perfeitas para nos levarem a viagens internas intensas.

O instrumento é peculiar, mas dono de uma aura sonora única e bastante conhecida (mesmo que você ache que nunca tenha ouvido seu som).

O guitarrista Daniel Zivko e o baterista Leo Luca completam o time. O Beijo da Serpente conta ainda com as participações de Fernando TRZ (moog), Junior Patreze (sitar indiano), Matheus Tagliatti (berimbau), Cláudio Caldeira (sax tenor) e Tássia Guarnieri (voz).

É um trabalho conceitual. Mais que isso, contemplativo. Um excelente convite a quem gosta de música pela arte em si, e não somente por causa de hits, ícones e o que está bombando na internet.

Conversei com o Du Rompa para entender melhor o trabalho de seu trio.

Arquétipos planetários norteiam as faixas de O Beijo da Serpente. Qual sua relação com o lado de lá do mundo?
Lembro-me de quando criança mergulhar em pensamentos e imagens existenciais, como as de que havia entidades cósmicas – claro que não pensava com esses termos quando criança – responsáveis pela vida no planeta. Isso por vezes até causava certa estranheza em habitar um corpo para viver a vida na Terra. Então, creio que essa busca diante do milagre ou mistério da vida, de algum modo, aconchega-se nas minhas criações. Isso sempre me acompanhou. A meu ver, os arquétipos planetários são simbologias que ecoam no movimento de nossa alma.

O disco é bem contemplativo, inspira viagens em nós mesmos. Qual é a mensagem que você quer passar com essas músicas?
Em termos de vivência, há uma busca em disponibilizar gestos sonoros específicos e arquetípicos em cada uma das músicas, de modo que esses gestos possam acessar nossa interioridade e despertar em nós esse colorido de intenções e de atuações no mundo necessários para as realizações que buscamos.

Em termos de mensagens, na história que norteia as músicas do disco, Naiá, sacrifica a própria vida por amor e pelo amor. Demonstrando, assim, a efemeridade da vida em função da permanência do amor materializado física e simbolicamente na Vitória Régia. Naiá é filha do encontro entre Tupã e Vênus, e tudo foi possível porque a serpente Cronos encarna no corpo de Tupã no início da saga, desencantando-o de seu sonho.

A partir disso, num dado momento, Tupã encontra Vênus e então geram Naiá, deixando nas entrelinhas a necessidade contemporânea da humanidade cuidar para que os excessos das forças de Marte possam encontrar alento nas forças de Vênus e nos tornar mais cuidadosos e amorosos diante da vida no planeta.

Há um mosaico sonoro, que engloba do jazz ao baião, do samba ao rock, passando por sonoridades orientalescas. Como vocês deram conta de formatar composições tão ricas assim?
Minha forma de compor sempre começa pelas imagens e gestos que essas imagens oferecem. Busco vivenciá-las e aos poucos ir encontrando o que sugerem. Em termos da sonoridade, gosto de deixar fluir a multiplicidade que existe dentro de mim e depois ir lapidando e direcionando de acordo com o propósito de cada música. Tendo a concepção pronta, é hora de botar para funcionar junto com os músicos do trio, diante do mesmo pano de fundo. E assim surge cada uma delas.

Quanto tempo demorou para ter O Beijo da Serpente composto e arranjado?
Em torno de dois anos e meio de trabalho. As músicas precisam de tempo para amadurecer e cada uma tornar uma entidade musical concisa.

Embora não sejam propositalmente ligados, seus discos Sol e Poeira e O Beijo da Serpente se conversam bastante. Isso deve falar muito de seu momento atual. O quanto a vida dita o que compõe?
Com certeza. Componho pela necessidade de fotografar o colorido do meu momento nessa passagem pela vida e de algum modo deixar um lastro de existência para ser contemplado artisticamente. Se quer uma imagem dessa integração, vou contar um fato… Na semana em que faria o show de lançamento de O Beijo da Serpente, fui picado por um escorpião. Coincidência ou não, esse foi o fato. Viver passa pela lembrança do risco de morrer.

Tudo o que falamos aqui combina com a sonoridade do Hammond, lógico. O que te atraiu de imediato nesse instrumento?
Cara, o timbre do Hammond é tão palpável e tateável que às vezes parece quase rasgar o espaço sonoro e se tornar visível. Só de botar a mão no instrumento fazendo um simples acorde e botar o rotor da caixa Leslie pra girar já é o suficiente para eu ficar preenchido. Meus primeiros encantamentos vieram com as bandas de rock clássico e progressivo, mas meu primeiro ficar impressionado veio quando conheci Medeski Martin & Wood.

Quem são seus grandes mestres do Hammond?
Diria que são Dr. Lonnie Smith, em que ao se sentar ao Hammond ambos se tornavam uma unidade e faziam dessa unidade um momento ritualístico. E John Medeski, pela ousadia de fazer do instrumento um portal imagético musical e tocá-lo de forma extremamente autêntica e peculiar.

Qual é a realidade de um trio como o seu no cenário da região em que vive, Piracicaba?
Somos um projeto artístico e contemplativo como essência. Aliado a isso somos um formato e uma estética muito específicos, com um instrumento raro, difícil de carregar e até de caber e entrar em qualquer lugar. Diante desse cenário, e também do fato de sermos um projeto independente, cada saída para show é sempre um evento. E buscamos nos apresentar em locais que tenham afinidade com nosso som e nossas condições.

Os álbuns do Du Rompa Hammond Trio estão nas plataformas digitais. Aqui vai uma bela amostra do som deles.

*Fotos: Igor do Vale