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O Rosa Tattooada surgiu em 1988 e logo consolidou seu time clássico: Jacques Maciel (guitarra, vocal), Beat Barea (bateria), Paulo Cássio (guitarra) e Eduardo Rod (baixo). Embalado por todo o fuzuê hard rocker oitentista, o quarteto gaúcho rapidamente se tornou sucesso no Rio Grande do Sul.
Eles tiveram demo com hit radiofônico, grande projeção, disco lançado por major fonográfica, agenda cheia… O ápice foi abrir os shows do Guns N’ Roses no Brasil, em 1992. Tudo em cerca de quatro anos. Porém, como que do céu ao inferno, despencaram vertiginosamente. Atingiram o fundo do poço em 1995 e então resolveram dissolver a banda.
Em 2000, o Rosa Tattooada volta reformado e reformulado, dessa vez como trio. Jacques e Barea contam com o baixista Rodrigo Maciel, irmão do vocalista e guitarrista. Mais adiante incorporaram Vini Tonello, no teclado, e assim avançaram. Vieram discos com punch e qualidade, e novas alterações de layout.
O grupo consolidou-se bem. Sua atual encarnação é a mesma desde 2011, com Valdi Dalla Rosa (baixo) e Dalis Trugillo (bateria). Após tantos altos e baixos, no ano em que o Rosa Tattooada celebra 35 anos, as peças parecem devidamente encaixadas. E ninguém melhor para passar essa história a limpo que Jacques Maciel, único presente em todas as formações.
Em 2023, você está com 54 anos e é pai pela primeira vez. O que muda?
Já venho há alguns anos baixando a poeira do folclore do hard rock, das loucuras e tudo mais. Tenho levado a vida de uma forma mais tranquila. Agora mais ainda. Graças a Deus, nessa retomada pós-pandemia, as coisas estão andando artística e profissionalmente, tanto com meu trampo solo como para o Rosa.
O fato de o filho ter vindo depois de todo esse tempo de carreira também ajuda?
Deus faz as coisas na hora certa. Ele veio numa hora em que tenho outra cabeça, estou pé-no-chão e mais estruturado financeiramente. Se tivesse pintado quando eu tinha trinta e poucos anos, talvez não fosse tão bom pai quanto tenho me esforçado para ser agora.
Você falou de Deus porque é um cara religioso ou foi só forma de falar?
Não sigo nenhuma religião, mas acredito em Deus. Acredito que tenha algo além dessa porra toda que estamos vivendo neste planetoide [risos]. Sempre acreditei que deva haver algo por trás disso, não sei se como forma de me confortar. Não estamos aqui até o fim da vida só pelo propósito de estar aqui, na Terra. Então, acredito em Deus, sim.
E no que acreditava em 1988, quando montou o Rosa Tattooada?
Nas mesmas coisas, cara. Sempre tive esse pensamento, desde moleque. O Rosa foi minha primeira banda. Nossa crença era do folclore do rock, do Kiss, do Mötley Crüe. Quando aparecemos, estava em efervescência o rock farofa, a cena da Sunset Strip, de Los Angeles. Tudo aquilo nos fascinava.
Vocês montam o Rosa em 1988 e têm uma ascensão até que meteórica, né?
Em 1986, fui trabalhar como roadie para uma banda clássica do Sul, que eram os Cascavelletes. O Rosa nasceu por sugestão do vocal, Flávio Basso, que depois virou o Júpiter Maçã. Ele falou: “Por que vocês não montam uma banda para abrir os shows dos Cascavelletes?”.
Essa explosão do Rosa foi graças ao que até hoje é nosso hit mais conhecido, O Inferno Vai Ter Que Esperar. Gravamos esse som em uma demo. O Thedy Corrêa, do Nenhum de Nós, deu a letra e eu fiz a música. Essa demo simplesmente começou a tocar nas rádios, mesmo antes de termos um disco. Coisa que hoje nem se sonha acontecer. Na época, os caras tocavam porque gostavam da sua música.
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Era um sucesso espontâneo.
É, e não tínhamos pretensão nenhuma. Realmente foi muito rápido. Em 1990, gravamos um disco por um selo local, Rosa Tattooada, produzido pelo Thedy, que o colocou debaixo do braço e levou para mostrar à Sony Music, no Rio. O presidente da gravadora, Marcos Kilzer, curtiu e nos contratou. Só que pediu que regravássemos.
Então, em 1991, fomos para o Rio, no estúdio Nas Nuvens, e refizemos o álbum com algumas alterações no repertório. Na realidade, Rosa Tattooada já tinha tocado inteiro nas rádios do Sul. Outro som que também tocou e que é quase tão cultuado quanto O Inferno Vai Ter Que Esperar se chama Tardes de Outono.
Como conseguiram abrir para o Guns N’ Roses, em 1992?
Quando estávamos regravando o disco, pintou o convite. Eles vieram ao Brasil em sua melhor fase, na turnê do Use Your Illusion. No ápice, né. Aí, teve a história clássica, de que quando o cara veio nos convidar, recusamos.
Dessa eu não sabia.
Era uma empresa que estava trazendo eles, a DC Set, do Dody Sirena, empresário do Roberto Carlos há muitos anos. A produção do Guns pedia uma banda local de cada país para abrir os shows. A DC enviou o material do Rosa e de mais quatro bandas, Viper, Não Religião, Hay Kay e Inocentes.
Um dia, o Dody pintou no Nas Nuvens: “Olha, os caras do Guns escolheram vocês para abrirem os três shows no Brasil”. Não havia aquela cultura de banda nacional abrir show e se dar bem. Hoje há condições de se tocar e não queimar o filme. Na época, não. Quando tinha banda de abertura, era “apedrejada” [risos].
Nesse primeiro momento dissemos que não, porque estávamos lançando um álbum pela Sony e tínhamos receio de fazer uma apresentação sem condições técnicas e assim sermos vaiados. Queimar o filme na largada, como dizemos aqui no Sul.
Dois dias depois, ele voltou ao estúdio, pegou uma folha de papel e caneta, e: “Queremos que vocês abram esses shows. Então, escrevam aqui tudo o que precisam para terem segurança”. O que colocamos parecia exigência, mas não é nada demais: equipamentos de qualidade, nosso próprio técnico de P.A. e de monitor e um volume e qualidade decente para o público. No fim, foram três noites incríveis. Saímos aplaudidos de todas elas. É um lance que guardamos com muito carinho.
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Como foi olhar um público gigantesco de perto pela primeira vez?
Um impacto absurdo, né, mas ao mesmo tempo já tínhamos certa bagagem no Sul de tocar para públicos grandes – não tão grandes. Então, já tínhamos certa base para encarar essa situação. Mas foi uma loucura mesmo.
Depois tivemos outras oportunidades. Abrimos para o Guns em 2010, um show muito conturbado em Porto Alegre, em que cancelaram nossa abertura e depois falaram que só poderíamos tocar três músicas. Tocamos debaixo de vaia.
E tivemos experiências confesso que mais legais do que abrir para o Guns, em matéria de som, de amadurecimento e tal. Abrimos para o Alice Cooper e para o Purple. Tocamos duas noites com o Deep Purple, em 2009, num teatro com som foda.
Em 2012, claro, realizei meu sonho de garoto de abrir para o Kiss. Foi muito legal. Ficamos impressionados com a gentileza e a educação da equipe deles. Sem qualquer estresse.
Por que sempre teve uma bolha em relação à cena das bandas do Sul no mercado nacional?
Pois é! Acho que era considero longe. Moramos num país continental. Na época, a ideia era a de que se não pegasse a trouxa e fosse para São Paulo ou Rio, não acontecia. Tanto que moramos dois anos em São Paulo. Mas hoje não. Com o advento da internet, você faz as coisas de qualquer lugar do mundo. Além do quê, o rock saiu da grande mídia e vive só da internet.
Quando foram morar em São Paulo?
Em 1994. Tínhamos uma produtora com o qual começamos a nos sentir presos. Tocávamos bastante, mas só no Sul. E, porra, tínhamos feito três shows do caralho em São Paulo e no Rio. Por que não estávamos tocando nessas capitais? Depois dos shows com o Guns, saiu nosso disco pela Sony, divulgamos no Serginho Groisman, fizemos o programa Metrópolis… Essa parte da Sony é uma outra história.
Como é?
Sempre tivemos essa coisa da atitude rock. Por exemplo, no Serginho Groisman, era para tocarmos O Inferno Vai Ter Que Esperar. Pedimos dois cabeçotes Marshall e caixas Marshall de 100 watts, mas ao chegarmos lá tinha dois cubinhos da Fender. Um hard-rocker nunca vai plugar sua guitarra num amp Fender, né.
Quando passamos o som, não tinha clean, cara! Aí, o Paulo Cássio falou: “Não vamos tocar O Inferno Vai Ter Que Esperar coisa nenhuma!” [risos]. Tocamos Onde Morrem os Anjos e Voando Baixo. Nunca me esqueço, a divulgadora da Sony pirou: “Porra, vocês não tocaram O Inferno Vai Ter Que Esperar, a música de trabalho da Sony! Vocês são loucos?” Dissemos que, como não tinha condições, tocamos outras [gargalha].
Numa outra situação, a Sony nos enviou um fax com uns vinte e poucos programas de TV já agendados. Colocaram uma observação para riscarmos o que achássemos que não tivesse a ver com a banda. Deixamos só Jô Soares, Metrópolis e Serginho Groisman. Riscamos tudo – Angélica, Hebe Camargo… Os caras ficaram loucos com a gente.
Vocês acabaram tocando no Jô?
Sim, mas com o álbum seguinte. Largamos a produtora do Sul e fomos morar no Rio de Janeiro. Só que descobrimos que não tinha nada de rock por lá e que a cena estava em São Paulo. Antes de irmos embora do Rio, fizemos uma visita à gravadora. Quando chegamos, havia um novo presidente. Ele nos recebeu e foi bem claro: “Olha, na real, estamos dispensando vocês. Não vou trabalhar um artista que não fui eu que lancei”.
Havia uns CDs na mesa e ele pegou um para dizer: “Vou lançar esses garotos de BH, que é uma banda bem legal chamada Skank, e vou lançar esse menino do Rio, que é um rapper chamado Gabriel O Pensador”.
Tomamos um pé na bunda da Sony, e foi o que levou a morar em São Paulo. Lá assinamos com a Paradoxx. Convivendo com o pessoal da cidade, descobrimos que todo mundo cantava em inglês, ao contrário do Sul. As bandas trabalhavam para tentar ir embora do país, seguir o caminho do Sepultura.
Ao mesmo tempo, tinha a onda do grunge, que nos influenciou um pouco. Então, acabamos fazendo um disco todo em inglês, que não tem nada a ver com a sonoridade do Rosa, chamado Devotion. É um álbum com afinações baixas, arrastado, letras bem deprê. E foi com esse que conseguimos ir ao Jô Soares [risos].
Devotion é como um Carnival of Souls (Kiss) do Rosa Tattooada.
É, mas bem pior [risos]. É um disco do qual não me arrependo, mas não tem nada a ver. É um reflexo do que estávamos vivendo. Em São Paulo, morávamos no Vale do Anhangabaú, os quatro numa kitchenette. Estávamos numa onda de drogas muito pesada e de bebedeira. Esse disco é um reflexo disso. Logo depois, o Barea resolveu sair da banda e ficamos meio desasados em São Paulo, sem saber o que fazer.
Por que o Barea saiu?
Estávamos sem grana, naquela vibe, e o Barea tinha uma noiva em Porto Alegre. Mas logo depois de ele sair a coisa não andou e quase em 1996, eu decidi encerrar a parada e voltar para Porto Alegre, também. Fui trabalhar em uma loja de instrumentos musicais. Decidi que não ia mais tocar, não teria banda e tal.
Você se desiludiu mesmo.
É… E, cara, incrivelmente, assim que pisei em Porto Alegre, decidi que nunca mais usaria qualquer tipo de droga. De um dia para o outro, parei totalmente com drogas. Comecei a entrar para o mundo da cerveja artesanal, a tomar chimarrão, fui fazer musculação. Voltei para a casa da minha mãe me sentindo um bosta, sem trabalho, sem banda. Foi quando arrumei um trampo na loja Good Music, que é do Nei Van Soria, onde fiquei 23 anos.
Qual foi o estopim para você querer parar?
Fazíamos shows pequenos, mas legais, que eram a realidade da cena underground de São Paulo. Só que percebemos que a banda estava estagnada. Não ia a lugar nenhum. Não tinha de onde tirar grana, não tinha mais aquela magia. Eu, um discípulo do Kiss, da coisa do rock como diversão, não existia mais nada daquilo. O Rosa Tattooada havia virado outra coisa. Não via perspectiva de que aquele quadro fosse mudar. Foi o que me fez deixar a banda.
Qual foi o Rosa Tattooada que voltou? Como retomaram a banda?
Voltamos em 2000 com vontade de tocar e, ao mesmo tempo, sem tentar resgatar aquele outro Rosa Tattooada. Voltamos com a proposta de divertir as pessoas, e não a do Devotion. Fizemos uma demo, assinamos com uma gravadora daqui e saiu o álbum Carburador, em 2001. Depois o Hard Rock Deluxe e em 2006, o Rendez-Vous. E a banda está aí até hoje.
O que você acha do Rosa de 2000 pra cá?
Acho legais todas as fases, mas é natural que de 2000 pra cá tenha havido um amadurecimento. Tivemos um ponto alto criativo até o disco XXV, de 2013. Agora completamos dez anos sem material inédito, e eu me culpo um pouco por isso.
O Rosa está numa situação confortável com a história que construiu. Não temos mais a ansiedade de garoto. Mas quero lançar ao menos um single este ano, linkado aos 35 anos da banda. Porra, dez anos sem nada, é sacanagem! Daqui a pouco vira Chinese Democracy [gargalha].
Qual é a lição que você tira destes 35 anos do Rosa?
É ser verdadeiro, honesto. Não fazer nada contra a vontade. Tocar o que tem vontade de tocar. É não esperar por grandes coisas, mas lutar pelo que se procura – sem ansiedade nem se deprimir quando as coisas não rolam. Tudo isso é a experiência que dá. Você nunca verá um garoto de vinte anos dizer isso.
Hoje vejo o Rosa, mais do que trabalho, como uma curtição. Conseguimos ser uma banda que sai de casa quando tem um convite legal, quando sabemos que viajaremos com conforto e que tocaremos com som bom. Acho legal saber que cheguei aqui e que quando o Rosa acabar ou eu me for, ficará uma obra. Nesse ponto, me sinto realizado.
*Foto principal (topo): Henrique Borges
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