Cipassé Xavante comenta parceria com Sepultura

Divulgação/Cipassé Xavante

Cipassé Xavante é uma importante liderança indígena brasileira. Vive na aldeia Wederã, em Canarana (MT). O cacique foi um dos protagonistas por trás da parceria dos xavantes com o Sepultura que ajudou a transformar Roots num tremendo sucesso mundial. Tive a chance de conversar com Cipassé este mês sobre a parceria, e o papo segue abaixo.

O que o senhor achou da experiência com o Sepultura?
Você está fazendo entrevista com a pessoa certa. Eu que coordenei essa parceria com o Sepultura, nos anos 1990. A experiência foi muito boa. Teve a mediação de uma jornalista chamada Angela Pappiani, que trabalhava na ONG Núcleo de Cultura Indígena, em São Paulo.

Ela entrou em contato comigo, contando que eles eram uma banda brasileira conhecida fora do Brasil, principalmente nos Estados Unidos. Aí, falei: “Então, manda todo o material sobre eles, as músicas, para eu apresentar à aldeia”. Recebi o material e mostrei para a comunidade quem era a banda, que tipo de música faziam. O pessoal gostou da história deles.

Disse que catavam uma música diferente, que é o metal. Expliquei a eles o que é o estilo metal. E aí, gostaram. Viram fotos de cada integrante, com tatuagem, cabeludo e tal. Primeiro, foi um choque cultural e depois contei por que usavam tatuagem e tinham cabelão, por que faziam isso. Aí, eles entenderam.

A aldeia se sensibilizou porque o Sepultura também sofria preconceito. Apesar de serem brancos, eram brancos diferentes, com pensamentos diferentes, tocavam e cantavam músicas diferentes, e havia preconceito entre os brancos. Não era só o povo indígena.

Aí, o pessoal se sensibilizou: “Ah, então, tá! Se for isso, vamos aceitar a parceria com eles. A única coisa que pedimos é que não tragam nada, tipo álcool, droga e tal. Vamos recebê-los aqui com respeito, com honra, para fazermos o trabalho”. A única condição que a aldeia colocou foi essa. Eles aceitaram e vieram para cá. Ficaram três dias, fazendo um trabalho intensivamente.

Nós apresentamos dois tipos de música, e a primeira que eles gostaram foi a música de cura, que chamamos de Dasiwaiwere. Fizeram o arranjo, adaptaram, e batizamos de Itsári, que significa ‘raiz’. Aconteceu um trabalho muito bonito. Todos colocaram sua energia e saiu um resultado muito bom.

A experiência foi muito boa para ambas as partes. Divulgamos mais a cultura Xavante com uma contribuição para a música brasileira e para o heavy metal – inclusive, esse foi um dos discos mais vendidos e tocados na época. Depois, a banda se desfez, e já é um problema deles, né? Ficamos tristes quando isso aconteceu, mas acho que já vinha tendo muitos problemas internos.

Quando o senhor fala de preconceito, teve preconceito da aldeia em relação à banda?
Não. Eu quis dizer que eles sofriam preconceito dentro da sociedade em que vivem, porque tinham cabelo comprido, tatuagem pelo corpo e cantavam uma música diferente, que é o metal. E ainda era banda brasileira que se fez fora do Brasil, nos Estados Unidos.

Quando ficamos sabendo da história, nos sensibilizamos. Também refletimos sobre nós mesmos, que sofríamos muito preconceito no Brasil como povo indígena. Então, por que não nos unirmos? Por que não aceitar essa parceria como uma forma não só de contribuir na parte musical como quebrar esses tabus e paradigmas?

Isso que falou mais alto quando apresentei a ideia em nossa reunião de conselheiros anciões. É nesse sentido que estou falando, em relação ao preconceito que existia contra eles e em relação a nós. Por isso que Roots deu resultado muito bom. Foi um trabalho verdadeiro, um trabalho de coração.

No dia em que a banda chegou na aldeia, como foi quando viram eles de perto pela primeira vez?
Teve um impacto muito grande para toda a comunidade – crianças, jovens, mulheres, homens, adultos e anciões. Pela aparência deles: cabeludos, cheios de tatuagem, tudo isso [risos]. Foi um impacto grande para ambas as partes, né? Para eles, também, porque pisavam pela primeira vez na vida em uma aldeia indígena.

Agora, apesar de o som deles ser metal, bem pesadão, trabalharam uma sonoridade mais próxima da comunidade do que da deles.
Eles trouxeram o que puderam. Fretaram dois aviões teco-teco, um só para trazer a turma deles e outro para o equipamento. Então, trouxeram um equipamento mais simples.

Agora, de estilo deles, não mudou nada. Pedimos que tocassem uma música que fizeram para os parentes Kaiowá, do Mato Grosso. A própria música se chama Kaiowas. E eles tocaram bem pesado. Depois, fizeram vários arranjos da Itsári.

E nossa música, é importante ressaltar também, nós cantamos igual a eles: forte, meio assim para arrebentar qualquer som ou qualquer microfone. Você vê isso no RootsItsári é uma música que casou bem. Eles cantam fortemente e nós, também. Então, eu diria que foi um casamento bem feito da voz deles com a voz da comunidade.

Quando vocês estavam gravando, era uma situação. A música pronta, no disco, é outra. O que acharam quando ouviram o disco?
É, para gravar qualquer música, tem o processo: as pessoas vão ao estúdio, fazem um arranjo, repetem várias vezes até equilibrar os sons. Nós gravamos em um estúdio, vamos dizer assim, a céu aberto. No pátio, cheio de barulho do vento, dos pássaros, da natureza. Todo mundo ajudou para sair um som legal. Participaram os homens adultos, jovens e crianças.

Quando ouvimos o CD foi uma alegria. Muita alegria de um trabalho em que todo mundo se dedicou e o resultado foi muito positivo. Ficamos felizes por termos contribuído para o heavy metal. Uma contribuição dos xavantes para o mundo e a música mundial. Foi isso o que pensamos depois de ouvir o disco. Ficamos contentes pela contribuição dos xavantes para quebrar tabus e paradigmas com esse trabalho em parceria com o Sepultura.

Muito mais que uma alegria, foi uma grande honra te entrevistar. Obrigado pelo seu tempo!
Ô, Henrique, a gente que agradece pela matéria sobre a parceria que houve nos anos 1990 entre o Sepultura e a etnia Xavante. Temos consciência de que contribuímos muito, divulgando nossa cultura xavante e também a cultura indígena. A banda também tem consciência disso. Eles guardam com o maior carinho, nós também guardamos com o maior carinho essa parceria.