Max Norman: como foi gravar Randy Rhoads

Quando se trata de alguém como Randy Rhoads, cada detalhe conta. O guitarrista morreu tragicamente aos 25 anos, em março de 1982, num acidente de avião. De nome consagrado, instantaneamente, virou um dos maiores ícones do rock/metal. Uma figura cultuada.

O ponto mais alto de sua breve carreira são os álbuns que gravou com Ozzy Osbourne logo que o Madman iniciou a carreira solo. Blizzard of Ozz e Diary of a Madman são pilares históricos. Deles saíram clássicos como Crazy Train, Mr. Crowley, Goodbye to Romance e Flying High Again. Neles estão alguns dos riffs e solos mais venerados por gerações e gerações de guitarristas.

Tamanha importância realça o quilate de qualquer informação que se consiga. Por isso me orgulho de ter entrevistado Max Norman, em 2010. Ele esteve em posições-chave durante a feitura de ambos os discos. Do primeiro foi engenheiro e do segundo, um dos produtores. Seus serviços voltaram a ser requisitados por Ozzy para o póstumo ao vivo Tribute, de 1987.

A maneira como consegui a entrevista também rendeu um sabor bônus de vitória. Exigiu um faro paciente. Acontece que depois de vasculhar a internet inteira percebi que Norman não tinha site e estava afastado do mercado. Ou seja, aparentemente, inacessível.

Não fazia a menor ideia de como dar um jeito nisso. Então, adotei diversas estratégias. Uma delas foi vasculhar o que encontrasse de entrevistas recentes suas. Em alguma haveria uma ponta solta que me levasse a ele. Assim, ao passar os olhos por um comentário seu sobre a filha, senti como se tivesse aberto a porta certa.

Busquei na internet e encontrei uma forte candidata, por meio de uma conta no Facebook. Enviei mensagem, e obtive a confirmação de que precisava. Sim, era a filha de Max Norman! Expliquei que trabalhava para a Guitar Player e que preparava uma matéria sobre Randy Rhoads. Para minha alegria, recebo de volta um OK com o e-mail de contato do produtor inglês.

Max Norman me atendeu com toda a gentileza. Topou responder sobre Rhoads, mas preferiu por e-mail. Esse é um formato de entrevista que sempre exige tato do jornalista, uma sequência de perguntas mais estratégica. Você precisa garantir fluidez e diversidade de assunto. Para isso, deve visualizar a direção de cada resposta para emendar a questão certa logo depois. Isso, claro, em uma pauta menos factoide.

Feito isso, resta apenas torcer para que as respostas venham com um bom volume de detalhes. E esse foi o caso aqui. Norman me enviou aspectos com a profundidade que eu precisava. Curiosidades que deram a meu trabalho o reforço perfeito.

Aqui vão trechos com detalhes que mais me fascinaram.

Como era trabalhar com Randy Rhoads?
Era ótimo, um verdadeiro cavalheiro e, claro, um guitarrista expert! Randy trabalhava duro e tocava guitarra quase o tempo todo, exceto quando tinha que comer… Ensaiava seus solos repetidamente. No começo, eu colocava a fita para tocar de modo que ele pudesse acompanhar. Porém, Randy estava usando o tape tanto que fiquei preocupado com seu desgaste. Então, preparei uma mix de duas faixas com um trecho de 15 segundos antes e 15 segundos depois da parte que ele precisava. Esse trecho era repetido umas dez ou quinze vezes ao longo do rolo. Assim, Randy podia tocar a fita inteira e ensaiar à vontade. Tínhamos um par de grandes monitores Tannoy no chão do estúdio. Ele se sentava em um banquinho entre eles e tocava com o amplificador no máximo. Randy era dedicado a tocar guitarra. Ficava tocando até mesmo sentado na cama.

Randy era perfeccionista em relação a seu som nas gravações?
Não era particularmente um perfeccionista no que diz respeito ao som. Randy trabalhava a faixa e ia conforme o que funcionasse melhor. Lembro que adorava Eddie Van Halen, e às vezes colocava o primeiro álbum do Van Halen para ilustrar certo timbre ou riff. Naquela época, a gente usava fita analógica de 2 polegadas e era preciso gravar com mais brilho no início, já que o timbre ia ficando mais abafado conforme a fita se desgastava. Inicialmente, ele não queria as coisas tão brilhantes e tive que convencê-lo a fazer assim, porque sabia que o material sofreria desgaste mais tarde.

Com quantos takes ele costumava gravar seus solos?
Não muitos, por já chagar muito bem ensaiado. Depois de um bom take, mudávamos para outra faixa e ele dobrava o solo, e então triplicava alguns deles. No que diz respeito à mixagem dos solos, o melhor take (o primeiro ou o primeiro take que mantínhamos) geralmente acabava um pouco mais alto, ao centro. Os outros dois iam um pouco mais baixos para a esquerda e para a direita. Claro que, como os discos foram remixados, esse esquema talvez não tenha sido mantido. Mas se pegar os vinis originais conseguirá perceber isso.

Uma coisa que o Ozzy sempre me pedia era para manter toda e qualquer faixa-guia bruta de Randy, porque ele também era ótimo para improvisar solos. Alguns dos solos finais que ouvimos são a faixa-guia original que ele gravou.

Aqui vale acrescentar o assunto com parte de uma outra resposta de Max Norman, não incluída neste livro. É um trecho em que cita novamente a mania do guitarrista de dobrar seus solos: “Randy gravou a maior parte do primeiro disco na sala de gravação. Blizzard foi feito, do começo ao fim, em quatro semanas. Então, não houve tanto tempo para experimentação. Lembro de o Ozzy ter ficado surpreso com a dobra depois de ouvir o primeiro solo. De início, ele queria que Randy parasse de fazer isso. Mas todos nós sabíamos que estava funcionando muito bem, então, Oz acabou concordando”.

Blizza of Ozz tem um som de guitarra um tanto diferente para sua época. O que deu o toque especial a essa parte do disco?
Acredito que muito do timbre de um guitarrista vem da maneira como toca as cordas. Há muito tempo, levei minha Les Paul Special para mostrar a Gary Moore, quando ele estava em uma banda chamada Skid Row, da Irlanda. Fiquei surpreso ao ver como a guitarra soou quando ele tocou. Percebi, então, que a tonalidade e o som vêm da maneira como o músico toca as cordas e que, na verdade, isso tem pouco a ver com qualquer outra coisa. É a intenção com a qual o músico toca que cria o som.

Outras coisas fazem uma diferença sonora no disco – notavelmente, Randy gostava de triplicar a maioria de seus solos, o que criava um som tremendo, enorme e amplo. Isso era algo novo naquela época. Outros fatores são nossa microfonação ambiente com microfones diferentes posicionados a distâncias variadas do amplificador.

Como Randy escolhia a guitarra que usaria em uma gravação?
Acredito que aquela que achasse que se encaixaria melhor ao que pretendia. Randy fazia experiências e então ouvíamos para ver se a sonoridade funcionava. Ele mudava de guitarra se o resultado não fosse o que tinha em mente – às vezes também alterava os captadores na guitarra ou usava uma configuração diferente em sua Chip-Pan – esse era o apelido de Ozzy para a pedaleira que Randy usava. Ozzy a chamava assim por causa do enorme chiado e do barulho que ela produzia quando Randy não estava tocando. Para Ozzy, soava tipo uma fritadeira de peixe e batatas fritas.

Randy normalmente tinha uma boa ideia do que queria antes de arriscar um take. Porém, às vezes, me pedia para conseguir um som, qualquer som, para que pudesse experimentar. Eu colocava um efeito e ele ficava brincando ali. Algumas coisas funcionaram, outras não. Ficávamos testando até conseguirmos o que queríamos.

Onde gravaram o arranjo de cordas para a música Diary of a Madman?
Essas cordas foram gravadas no Abbey Road, no estúdio que os Beatles costumavam usar. O console era o mesmo do álbum Abbey Road. As cordas vieram da seção de cordas da Orquestra Sinfônica de Londres – 28 integrantes, pelo que me lembre. Uma sessão maravilhosa!

O arranjador foi Louis Clarke, conhecido por arranjar cordas para a Electric Light Orchestra, entre outros. Chegamos cedo, mas Louis se atrasou. Estávamos todos muito tensos, pois era uma sessão bem cara. Quando ele finalmente apareceu, cerca de 20 minutos depois, estava com um copo de cerveja em cada mão. Deu um toque no copista e começou a rabiscar um papel pautado. Ia literalmente jogando para o copista o material conforme finalizava cada peça. Louis tinha tudo memorizado. Chegou sem qualquer notação!

Em poucos minutos, ele estava lá embaixo, mexendo a batuta para colocar a sessão em ordem. Refazíamos algumas vezes quando havia um ou dois erros – bem estressante acertar uma orquestra inteira. Mas foi uma sessão muito legal. Tudo registrado em duas faixas estéreo na master de 24 polegadas.

Como foi o trabalho para o álbum Tribute? Se não me engano, você recebeu duas fitas com material ao vivo, né?
Sim, recebi duas fitas cassete para esse álbum. Sharon [Osbourne, mulher e empresária do Ozzy] me disse que eram dois shows diferentes. Porém, quando ouvi, percebi que eram duas mixagens diferentes do mesmo show. Uma estava realmente boa enquanto a outra, mais ou menos. Reparei que a mix boa era a que tinha Randy mais destacado, então, foi como remixei. Lembro que enviei o material ao Ozzy e depois ele me ligou, dizendo que não estava empolgante o suficiente. Trabalhei na gravação mais algumas vezes, usando uma faixa com a plateia em loop. Mexi o máximo que pude. Ozzy adorou depois disso, e então lançamos.

*Foto: Facebook Max Norman | Arte: Henrique Inglez de Souza