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Tony Parsons: “Ninguém liga para Ed Sheeran ou Taylor Swift”

Tony Parsons é o tipo de figura que todo mundo que adora música e cultura pop deveria conhecer. Também é uma boa referência a qualquer jornalista musical. Seus textos têm sabor e um jeito visceral de ilustrar os assuntos.

Dá pra dizer que esse jornalista e escritor britânico de 66 anos de idade é um privilegiado. Iniciou a carreira no emblemático semanário New Musical Express (NME), quando o punk eclodia pelo mundo. Entrevistou e cobriu um sem-número de artistas, incluindo medalhões que vão do rock à música pop.

De meados dos anos 1970 sua carreira expandiu, abraçando editorias diversas, tais quais literatura, TV, cinema, artes, comportamento, viagens, luta de classes. Ganhou prêmios e se tornou um best-seller com alguns dos inúmeros livros que publicou. Por sinal, ao menos três deles saíram no Brasil – Pai e Filho (2002, Sextante), Marido e Mulher (2004, Sextante) e aquele que sem dúvida deve estar na estante do bom jornalista, Disparos do Front da Cultura Pop (2005, Barracuda).

Um sujeito com um percurso assim está mais que gabaritado para analisar à quantas andam a cultura pop e o jornalismo cultural.

A covid-19 colocou a fatia cultural em xeque. Como visualiza o tal novo normal para o mercado cultural após a pandemia?
É difícil para a cultura prosperar quando restrições são impostas ao público. Num sentido bem pragmático, é complicado para os músicos ganhar a vida sem tocar ao vivo – e isso vale tanto para um garoto com uma guitarra quanto para os Rolling Stones.

Portanto, precisamos recuperar o público presente – seja para filmes como para música. As implicações de não permitir que seres humanos se misturem são terríveis – mais por razões econômicas e culturais do que por questões de saúde. O vírus atinge a todos.

Conheço autores de primeira viagem que estão com livros saindo em meio a lockdown. Mas as livrarias estão fechadas, os festivais de música não estão acontecendo, até entrevistas na TV são feitas remotamente. Então, ou tentamos superar nossos medos e começamos a sair e nos reunir novamente, ou nossa cultura será outra vítima dessa doença.

Mesmo antes da covid-19 a vida já não andava fácil para muitos artistas. Internet e tecnologia estão matando gradualmente o jeito como conhecemos a indústria cultural?
Tempo e tecnologia estão sempre destruindo indústrias. O que aconteceu este ano é que o processo foi acelerado. Alguém disse que fomos de 2020 a 2030 em dez meses, em vez de dez anos, e acho que isso é verdade!

Trabalho como jornalista e romancista, e a indústria jornalística – que sempre foi muito forte no Reino Unido – está sofrendo demais agora. A carreira que fiz seria impossível para um jovem de 22 anos que está começando agora. Os empregos simplesmente não existem!

Não há nada de novo nisso. Por exemplo, o ferreiro foi aposentado assim que o primeiro carro apareceu nas ruas. Ninguém mais precisava de ferraduras. E acho que o que relutamos para compreender é que qualquer um de nós pode ser aquele ferreiro.

A fofoca é o novo mainstream na cultura pop, em vez da música?
A música está marginalizada agora – e francamente os músicos já não são tão interessantes: suas vidas não são tão loucas, os riscos que correm não são tão grandes. O que me surpreendeu na atual cultura de celebridades e de fofoca é o número de pessoas de quem eu nunca tinha ouvido falar! Felizmente, no Reino Unido, temos nossa família real, que é sempre uma fonte inesgotável de fofoca e diversão.

O rock não morreu, como tantos dizem. Porém, será que a falta de um circuito forte de rádios rock colocou o estilo na UTI?
Diversos fatores combinaram-se na segunda metade do século 20 para originar a vibrante cultura musical que varreu o mundo. Cresci consumindo música no rádio antes de qualquer outro jeito. Não acho que seja a mesma coisa hoje.

Os seres humanos sempre se surpreendem porque nada dura para sempre. Mas se você reparar na excelente música feita durante a segunda metade do século 20 verá uma longa linha de tradição: Elvis Presley inspira John Lennon, John Lennon inspira David Bowie, e assim por diante.

Porém, essa linha foi rompida agora, possivelmente porque os jovens têm mais distrações e demandas ocupando seu tempo, seus corações. Na minha época, havia música, futebol, e só! Hoje há bem mais opções, embora isso não signifique que haja uma magia por trás.

O rádio foi construído com base na velha frase de Chuck Berry: “Tenho que ouvir isso de novo hoje!” [em inglês, “got to hear it again today”, trecho do clássico Roll Over Beethoven]. Mas isso se tornou um jeito ultrapassado de sentir a coisa, hoje em dia.

A vida cultural de muitos está basicamente em um smartphone. Isso muda a forma de se consumir música e também de se consumir notícias sobre música. Qual é o maior desafio para um jornalista musical em 2020?
O maior desafio para o jornalismo musical é que a tecnologia mudou radicalmente. Havia várias revistas de música no Reino Unido, e apenas uma delas – NME, onde trabalhei – ainda existe, e apenas online.

Portanto, a queda vertiginosa do impresso é o maior desafio para a sobrevivência do jornalismo musical. Outro grande desafio é que as matérias não são tão legais. Antes da minha geração, os repórteres do NME acompanharam a jornada dos Beatles e dos Rolling Stones; minha geração cobriu os Sex Pistols e o Clash; a geração seguinte, The Smiths e Stones Roses; depois, Blur e Oasis.

A tecnologia mudou e a música, também. Ninguém liga para Ed Sheeran ou Taylor Swift da mesma forma como era com The Smiths ou Oasis.

É hora de revistas, sites e jornais sobre música se reinventarem? Às vezes, sinto que a maneira como fazemos jornalismo cultural já está morta.
Não dá pra fazer jornalismo cultural da mesma forma por causa do declínio dos veículos de comunicação. O problema com a internet é que os jornalistas não são pagos. No passado, se você encarasse para uma noitada de sexo, drogas e rock and roll, alguém estaria pagando pelo seu tempo. E isso não acontece mais.

Minha impressão é a de que temos que desempenhar várias tarefas. Não dá para depender somente do jornalismo, então escreva romances, filmes, conte suas histórias de várias maneiras.

Na Ásia, dizem que um trabalho vitalício é uma tigela de arroz de ferro. Acontece que, para o jornalismo cultural e diversas outras atividades, essa tigela de ferro foi definitivamente destruída.

Tudo no digital, redes sociais, ritmo sempre apressado, smartphones, tablets… As pessoas estão se tornando superficiais demais?
É inevitável que as pessoas se tornem mais superficiais, porque tudo tem sido servido em tentadoras pequenas porções. Isso é o que seu celular ensina: entretenimento, diversão, curtição estão a apenas um clique de distância! Portanto, nós – as pessoas inteligentes – precisamos aprender a alegria de se ler um livro por uma hora ou ouvir um álbum inteiro da mesma banda.

Adoro todas as novas tecnologias, mas é isso o que está se perdendo, nossa capacidade de ficar quieto por uma hora e refletir sobre uma música ou uma história, ou o quer que seja estar vivo.

Foto: Bill Walters