Clássico ao vivo do Viper: “Tocar no Japão era um sonho”

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O Viper estava a milhão e no auge. A banda paulista, um dos pilares do metal brasileiro, havia reconstruído sua imagem depois de Andre Matos ter se mandado para o Angra. Pit Passarell (vocal, baixo), Yves Passarell (guitarra), Felipe Machado (guitarra) e Renato Graccia (bateria) deram um corpo robusto à química que se formou nos primórdios dos anos 1990.

Ainda que os conservadores xiitões torçam o nariz para Evolution (1992), marco zero da então nova formação, o álbum tem qualidade e fibra. Além da faixa-título, sagrou Rebel Maniac, um hino da biografia do rock pesado no país.  Acontece que explorar esse registro rende outras passagens de alto nível, como The ShelterWasted e The Spreading Soul.

Ok, eles meteram a mão no vespeiro ao reler We Will Rock You, do Queen, mas dane-se! Não tira o brilho do material. Brilho esse que os colocou pelo mundo, rodando o Velho Continente e indo à Terra do Sol Nascente. Nenhuma banda de metal brasileira havia tocado no Japão, nem mesmo o já consagrado Sepultura. O ineditismo rendeu Live – Maniacs in Japan, que saiu em 1993.

O disco ao vivo do Viper tornou-se um clássico, e ganhou reedição com bônus em 2020, pelo selo Wikimetal. Sobre este pacotão, conversamos com o guitarrista Felipe Machado.

Maniacs in Japan retrata o ápice do Viper. Em que aspectos a banda cresceu após a saída do Andre Matos?
A banda teve que mudar. Tínhamos um estilo que vinha do Theatre of Fate, muito acostumado ao vocal do Andre. Nós praticamente nos reinventamos. Como o Pit já era vocalista antes de o Andre começar a cantar, e estava acostumado a compor, optamos por mantê-lo como vocalista.

Acho que crescemos porque ficamos mais unidos, mais coesos. Nessa época, também perdemos o baterista. O Guilherme Martin saiu, e entrou o Renato Graccia. Então, eu, o Pit e o Yves ficamos mais unidos.

Musicalmente, crescemos em termos de energia, de atitude. Éramos bem novos, e ganhamos uma personalidade e uma atitude maior com a saída do Andre. Fomos obrigados a bancar nosso som.

To Live Again e Living for the Night funcionaram tão bem com o Pit no vocal que até parecem da formação dos anos 1990. Foi complicado escolher músicas dos dois primeiros álbuns?
As duas são do Pit. O repertório do Soldiers of Sunrise e do Theatre of Fate tem diversas músicas compostas pelo Pit. Acabaram soando bem. Ele as adaptou um pouco para seu estilo, e descobriu um jeito de cantar, também – até por ser o compositor. Então, saiu natural criar novos arranjos.

Vocês optaram por mudar a sonoridade do Viper por causa do tipo de metal que o Andre foi fazer com o Angra?
Não! Na verdade, foi o Andre que levou para o Angra o estilo do Viper. Mudamos porque não tínhamos mais um vocalista melódico e porque estávamos ouvindo outras coisas, outras influências. Também para nos adaptarmos ao alcance vocal do Pit. E queríamos fazer um som diferente. A cada disco, o Viper sempre mudou. Então, nesse sentido, o Andre que quis manter o som do Viper e transferiu para o Angra.

O disco tem um quê de pioneirismo, já que marca a inédita ida de uma banda brasileira de metal ao Japão. Que tipo de experiências trouxeram?
O show, claro, foi o mais importante, em termos práticos, de conteúdo. Mas foi muito legal, sensacional! Tocar no Japão era um sonho nosso de criança. Ainda éramos uma banda nova: eu estava com 21 anos, o Yves com 22 e o Pit, 23. O Renato, acho, tinha uns 20 anos.

A experiência foi conhecer um país muito diferente. Hoje, apesar de o Japão continuar sendo um país muito diferente, o mundo está globalizado. Naquela época, era realmente uma coisa distante da nossa realidade.

Com certeza, fez uma enorme diferença o show por lá. O público era bem diferente. Ganhamos bastante experiência na turnê pela Europa – fizemos nossa segunda turnê pela Europa, e de lá seguimos para o Japão. Foi maravilhoso!

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O público japonês é conhecido pelo fanatismo e consumismo. Que tipo de passagem inusitada tiverem?
Ah, muitas! Só o fato de ter fãs nos esperando no aeroporto e depois no hotel, com faixas, foi algo interessante. Sabíamos que o Viper era uma banda conhecida no Japão – já estávamos nas paradas de sucesso e tal. Mas ver isso na prática foi bem diferente do que ouvir falar.

E o pessoal realmente conhecia as músicas. Achávamos engraçado, porque eles eram bem respeitosos. Enquanto no Brasil o público já chega, vai abraçando, agita no show, naquele país é mais contido. Só falam com você quando você fala com eles. Mesmo na apresentação, agitavam bastante, cantavam e tal, mas quando acabavam as músicas, esperavam para ver o que iríamos falar. Havia um respeito grande. Achamos isso bastante diferente em relação à Europa e ao Brasil.

Maniacs in Japan volta com quatro bônus do mesmo show, certo? A qualidade de áudio deles está bem diferente, inferior, em relação ao disco.
Sim, são do mesmo show. A qualidade está inferior, realmente! Para o disco, pegamos a gravação do rolo e mixamos no Brasil. Fizemos uma produção mais cuidadosa do repertório que escolhemos para o CD e o LP. Na época, ainda não existia o digital, então, tínhamos um limite imposto pela parte física do disco. Não tínhamos essa mentalidade de extras nem nada.

Os bônus, até chamamos de Bootleg Version, porque são versões bem cruas. A qualidade está bem pior que a do álbum porque não foram mixados. É uma gravação bruta, que veio da mesa de som. Porém, achamos importante colocar no relançamento, primeiro porque era um material inédito e segundo, porque é muito interessante.

Você vê, por exemplo, que na introdução de The Spreading Soul o Pit canta o início de Moonlight. Não fazíamos isso em tantos shows, mas fizemos nesse do Japão. Mesmo Prelude to Oblivion, acho que não tinha no disco normal e incluímos. Então, houve uma vontade de manter esse registro histórico. Por isso acrescentamos os bônus.

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O Viper completou 35 anos com uma carreira irregular, especialmente a partir deste milênio.
Não considero uma carreira irregular, não! Considero bastante regular, na qualidade dos discos. Todos os álbuns são muito bons! Irregular, talvez você queira dizer a respeito do estilo, mas aí acho que a palavra correta não é “irregular”.

É uma carreira bem variada. Você vê que do Soldiers para o Theatre mudamos muito de estilo; do Theatre para o Evolution foi outra mudança. Do Evolution para o Vipera Sapiens não foi tanta, porque gravamos mais ou menos na mesma época. Contudo, para o Maniacs in Japan, sim, e para o Coma Rage, uma transformação maior ainda.

Depois, o disco em português [Tem Pra Tudo Mundo] é um trabalho de que gostamos bastante. Mas acho que não é um disco do Viper, vamos dizer assim. Já All My Life é bem legal. Não teve um sucesso nem uma carreira tão boa quanto imaginávamos. Porém, ainda acreditamos bastante nele. Gostamos demais das músicas, e ainda vamos relançá-lo com outras mixagens, para ver se conseguimos valorizar esse material.

Qual é o espaço que o Viper tem hoje no metal?
Difícil a gente dizer, né? Quem tem que dizer são os fãs. Acho que é um lugar no coração das pessoas que gostam, como uma banda que foi uma das pioneiras do heavy metal no Brasil. Não brigamos por espaço. Temos o nosso, temos nossa carreira. Nunca fomos de nos preocupar tanto com o que os outros estavam fazendo.

Seria mais fácil ter seguido no mesmo estilo em vez desse desafio constante que tivemos. Então, o espaço que temos é o que merecemos. Algo importante na história do heavy metal brasileiro, de respeito. Influenciamos diversos grupos, principalmente nesse estilo melódico.

Também temos um espaço grande por termos sido a primeira banda do Andre Matos, que é uma personalidade importante e que infelizmente nos deixou. Nos orgulhamos por termos sido a banda que o projetou, que permitiu que ele tivesse uma carreira. Quando convidamos o Andre para entrar no Viper, jamais poderíamos imaginar que ele teria todo esse potencial.