Não é que Graham Bonnet tenha sido um sortudo na carreira. Dizer algo assim chega até a ser injusto com sua competência. Afinal, ele tem uma voz carismática e uma presença digna do artista que se consagrou. Mas é que a forma como se popularizou sugere sorte (muita sorte).
Pense num cara desconhecido, sem visual nem intimidade com o hard rock/heavy metal que de repente passa a trabalhar com ícones do estilo. Durante sua principal exposição profissional (1979 e 1986), Bonnet gravou com quatro potências da guitarra, e começou pelo alto.
Primeiro veio ninguém menos que Ritchie Blackmore, no Rainbow. Depois Michael Schenker, Yngwie Malmsteen e Steve Vai – os dois últimos, já com sua banda, o Alcatrazz (ok, estes ainda batalhavam um lugar confortável ao sol, mas tá valendo a observação da sorte).
Em 2009, tive a alegria de entrevistar Graham Bonnet. Nossa conversa sairia no site da Guitar Player, portanto, aproveitei para explorar a experiência ímpar que teve. Aliás, descobri até um lado colecionador dele que veio a calhar.
Antes de iniciar minhas perguntas, ainda no finalzinho dos cumprimentos, Bonnet comentou: “Hoje está sendo um dia triste, por causa do Michael Jackson” – era 26 de junho, um dia após a morte do astro pop. “Está em todos os noticiários. Bem mau… Um dia muito triste.”
Apesar do tom lúgubre, o comentário não mudou o humor entre nós para a pauta. Reuni aqui os principais depoimentos sobre cada um desses temas.
RITCHIE BLACKMORE
Uma das melhores decisões que tomei, de fato, foi me juntar ao Rainbow. Porque naquela época eu não me ligava naquele tipo de música. Preferia R&B, música mais pop. Porém, quando o Ritchie me convidou para entrar na banda, depois de uma rápida audição, ele mudou minha visão. Trabalhar com um dos melhores guitarristas foi uma grande honra.
Não falo com Ritchie há muitos anos, mas se me ligasse eu o convidaria para gravar uma música minha. É uma grande influência para muita gente, um cara legal, mas agora está fazendo um tipo de música diferente. Acredito que tenha se cansado do que costumava tocar, então montou o Blackmore’s Night. Não ouvi, então, não posso opinar a respeito. O considero um dos maiores guitarristas de todos os tempos.
A rotina no estúdio
Nunca o via muito, porque gravávamos nossas partes separadamente. Ritchie registrava suas partes à noite e eu colocava os vocais durante o dia. O Ritchie chagava lá e ele e o Roger Glover trabalhavam em alguns solos de guitarra e coisas assim. Mas os ensaios eram ótimos. Enfim, foi legal, mas ninguém ficava junto. Por exemplo, Cozy Powell gravou suas partes e voltou para casa [risos]. Então, o estúdio permanecia basicamente vazio.
Ritchie era um cara difícil?
Não, não… Não para mim. De jeito nenhum. Ele é uma das pessoas mais legais que conheci. É um cara bem tímido que escolhe os amigos. Acho que é isso. As pessoas pensam que ele seja meio fechadão, mas na verdade não é. Só é na dele. E se gosta de você, troca ideia e sai com você. Foi o que notei quando estivemos juntos. Sempre antes dos shows eu ia a seu camarim ou ele vinha me ver, e conversávamos sobre o que faríamos naquela noite, sabe? Me dei muito bem com ele, apesar do que falam. Sei que com outros não era assim, mas nunca tive qualquer problema.
Uma história diferente, não? [risos]
O estilo Blackmore
Era um grande fã de Jimi Hendrix. Disso, eu sei. Também era um admirador do blues. E acho que incorporou muito bem os dois. Ritchie é um dos caras originais, sabe? Sempre o vejo do mesmo modo que Jimi Hendrix, por exemplo. Acredito que foi um dos primeiros a realmente se destacar e a tocar de maneira específica. Ele não tocava como Eric Clapton; tocava como Ritchie Blackmore!
Apesar de ser grande fã de Jimi Hendrix, Ritchie criava suas músicas de forma muito original. Tinha um ouvido incrível para arranjos e progressões de acordes, o que eu achava interessantíssimo. Ele trabalhava muito bem com Don Airey, que estava na banda na época. Ritchie sempre criava coisas envolventes ou então rock and roll de alta qualidade. Era um ótimo arranjador.
MICHAEL SCHENKER
Na época em que estive na banda [Michael Schenker Group], eu bebia todos os dias. Sempre era hora para uma bebida. Houve muita confusão em algumas das composições porque estávamos ocupados demais, às vezes bebendo e não pensando no que fazíamos.
Mas Michael me incentivou a escrever todas as melodias das músicas e todas as letras. Meio que me orientou pela direção de compor, porque eu não escrevia tanto. Foi realmente quem começou a me fazer escrever músicas, a me fazer pensar em como inserir palavras em arranjos de guitarra que às vezes fossem complicados e longos.
Eu o vi não faz muito tempo, quando gravei uma faixa em um álbum seu. Foi ótimo fazer algo novamente com ele. É fantástico, porque o Michael é um dos meus guitarristas favoritos no mundo. Um cara ótimo – às vezes, louco. Todos nós somos um pouco. Todos os músicos são malucos. Tudo doido [risos]. Esse não é um trabalho de verdade, sabe? É um trabalho em que você nunca cresce. Nunca encara o mundo real [gargalha].
YNGWIE MALMSTEEN
Quando saí do Rainbow, estava basicamente tentando montar um Rainbow 2. Alguém me falou sobre Yngwie e como ele tocava parecido com o Ritchie, que era um grande fã do estilo do Ritchie Blackmore, e de tudo mais. Ele era jovem. Era ótimo, mas, sabe, ainda não tinha um estilo próprio.
Yngwie foi desenvolvendo sua maneira de tocar, e estava realmente decidido a iniciar a própria carreira. Dava para ver isso rolando. Eu não achava que fosse ficar na banda por muito tempo, pois tinha o talento, as próprias ideias… Imaginava que sairia, e de fato foi o que ocorreu.
Era um bom garoto, mas ficou um pouco cheio de si à medida que envelheceu [risos]. Yngwie ficou tipo “sou o Deus da guitarra” e tal, como os guitarristas às vezes são. Mas não há dúvida que seja um grande guitarrista. Tive muita sorte por trabalhar com bons guitarristas. O que posso dizer?
Nasce Malmsteen
Yngwie desenvolveu o próprio estilo depois. Sempre vi muita influência de Ritchie Blackmore em sua forma de tocar. Grande parte do estilo de Yngwie era meio que cópia de como o Blackmore tocava, talvez um pouco mais rápido. Ele era apenas um garoto, tinha 19 anos, e seu herói era Ritchie Blackmore.
Yngwie me disse que esteve em alguns dos shows que fizemos na Suécia quando o Rainbow se apresentou por lá e eu estava na banda. Ele sempre ouvia atentamente a tudo o que Ritchie fazia, e conseguia tocar cada um dos solos de Ritchie perfeitamente, de cor. Porém, quando desenvolveu o próprio estilo, Yngwie percebeu que tinha sua própria força e sua própria forma de tocar, e que não precisava copiar ninguém. E então, tornou-se Yngwie Malmsteen, o guitarrista que de repente todo mundo adorava.
STEVE VAI
Steve era diferente do Yngwie. Veio da banda do Frank Zappa e tinha outra abordagem na hora de compor. Era muito, muito inventivo e queria soar moderno, diferente. Temia que as pessoas o comparassem ao Yngwie, e eu dizia: “Você não é como ele. Tem outro estilo”. Era um cara completamente diferente.
Lembro-me que nos primeiros shows Steve ficava bastante tenso. Tocamos num pequeno clube em algum lugar qualquer, e ele estava com medo de subir ao palco e as pessoas começarem a atirar coisas nele, dizendo “você não é o Yngwie”. Eu falei: “Cara, você não é Yngwie Malmsteen. Você é Steve Vai, e é um ótimo guitarrista! Não toca como o Yngwie, mas é um dos grandes guitarristas que existem.”.
Compor com ele era bem mais interessante para mim, pela forma como criávamos as músicas. Gostava mais do que na primeira versão do Alcatrazz.
E então Steve se tornou uma grande estrela por conta própria.
Vai inovador
Steve era mais progressivo. Tinha muitas influências de jazz em sua forma de tocar. Gostava de inovar. Ele tinha uma abordagem mais inovadora porque trabalhou com Frank Zappa. Então, era outro tipo de músico. Embora conseguisse tocar todas aquelas coisas rápidas que o Yngwie fazia, não queria. Steve não queria ser comparado a ele por quem fosse ouvir a nova formação do Alcatrazz.
Steve era muito inventivo. Tinha umas ideias bem estranhas que eu gostava, porque não seguiam os lugares-comuns nas músicas. Ele não era o típico guitarrista de heavy metal da época. Era completamente diferente. Eu realmente gostava de escrever com ele porque me dava mais liberdade. O Steve pensava onde o vocal deveria estar, e o fazia com muito consciente. Não tentava atropelar ninguém na execução.
Também perguntei ao Bonnet se ele tocava guitarra. Disse que sim, mas depois de falarmos sobre tantos virtuoses, tratou de esclarecer que suas habilidades são simples. “Sou old school”, explicou. “Uso a guitarra como um instrumento pra arranjar músicas ou só pra cantar junto e me divertir. Curto bastante Beatles, Beach Boys… coisas com bastante vocal.”
Ele é um cara que gosta de colecionar e contou ter preciosidades: “Tenho um violão Gibson dos anos 1950 com entrada acústica-elétrica. Tenho outros dois violões raros que comprei no eBay. Adoro tocar com eles e com os violões não elétricos, daqueles usadas pelos caras das antigas bandas de baile dos anos 1940.
Tenho um violão chamado Kalamazoo, que na verdade é um Gibson. Tem 70 anos! Estava em péssimas condições. Então, o cara que cuida dos meus equipamentos quando há algum problema arrumou tudo pra mim, até as rachaduras na parte de trás. É um instrumento típico. Fico imaginando um soldado indo para a batalha com esse violão nas costas, durante a Segunda Guerra Mundial. A gente pega fotos do combate e vê soldados tocando e cantando quando não estavam atirando nas pessoas. É um daqueles violões que têm um som característico. Como eu disse, é bem antigo – mais velho do que eu [risos].”
Finalizei a entrevista e contei que achava sua voz bastante carismática no rock e que também gostava do Dangerous Games, o primeiro álbum do Alcatrazz depois da saída de Steve Vai. Por sinal, o primeiro com um guitarrista sem grande expressão, Danny Johnson.
Bonnet agradeceu e destilou mais um pouco de seu infalível bom humor: “Fico feliz que tenha ouvido nossas coisas. Sabe, ainda não estamos mortos. Podemos estar velhos, mas ainda não morremos”, e soltou uma gargalhada.
A conversa desembocou nos planos imediatos para um novo álbum. O vocalista disse que uma das canções inéditas havia sido especialmente encomendada a Russ Ballard (se você não reconhece, é de Ballard o hit que marcou a temporada de Bonnet no Rainbow, Since You Been Gone).
“Liguei para o Russ e disse que queria algo bem moderno e meio progressivo, com elementos pesados. Ele escreveu a música e arranjamos pelo telefone, porque Russ mora na Inglaterra e eu em Los Angeles. Chama-se My Kingdom Come e tem acordes poderosos. É muito diferente das que já escreveu. Fiquei feliz por ele ter se interessado o suficiente para compor algo novo para mim. Achei que seria legal nos reconectarmos”.
*Foto: Divulgação/Facebook de Graham Bonnet | Arte: Henrique Inglez de Souza