Sincero e afiado, assim como nas canções que escreve, Renato Teixeira disse-me poucas e boas. “Deixa o futuro se preocupar com a gente”
Sob tensão: a saída de Augusto Licks dos Engenheiros do Hawaii
Como foi o último ano do guitarrista com a banda que ajudou a transformar numa das maiores do rock brasileiro.
Marcelo Gross coloca a carreira em perspectiva
O recém-lançado disco ao vivo do guitarrista e vocalista gaúcho é o mais novo entre seus projetos de revisita e celebração.
Alex Antunes explica as bodas fúnebres do Displicina
Samples, morte e esquisitices – esse é mais ou menos o lema criativo da família Bones. Esse é o esquema do álbum do Displicina.
Da Lama ao Caos: a revisita de um homem-caranguejo
Lembranças, risadas, rebatidas e espetadas. Tem de tudo um pouco na leitura de Lúcio Maia sobre os 30 anos do disco de estreia de Chico Science & Nação Zumbi.
O cara da Plebe Rude desabafa geral em autobiografia
“Eu era muito infeliz no auge da banda, sabia?”, disparou Philippe Seabra, referindo-se à Plebe Rude. Conversamos sobre sua recém-lançada autobiografia, ‘O Cara da Plebe’.
Edu Lobo de bem com seus 80 e poucos
Prestes a se apresentar em Piracicaba, Edu Lobo refletiu a carreira e a vida após os 80 anos. O resultado foi uma de minhas melhores matérias.
Mullet Monster Mafia: farra séria entre amigos
The Mullet Monster Mafia: um perfil dessa bandaça de Piracicaba/SP que já virou referência no circuito da surf music extrema, principalmente na Europa.
Camisa de Vênus: engula ou cuspa fora
A quarentona banda baiana mantém-se como uma das poucas de sua geração que renova público e segue firme na estrada.
A volta do Tihuana
Egypcio e PG falam sobre a turnê de reunião do Tihuana, acertada para 2025. Esta é uma das primeiras matérias em que eles tratam do assunto.
Front: 40 anos com os olhos no presente
Da linha de frente rapidamente para a retaguarda. Essa pode ser uma boa síntese da breve história do Front. A banda surgiu em 1983, no Rio de Janeiro, começou a se destacar e, no ano seguinte, encerrou as atividades. Nem a lama do fracasso, nem diferenças musicais. O fim prematuro resultou… do sucesso! O grupo projetou Rodrigo Santos (baixo, vocal), Nani Dias (guitarra, vocal), Ricardo Palmeira (guitarra) e Kadu Menezes (bateria) de tal forma que eles logo se tornaram figuras requisitadas. Dali trabalharam com meio mundo do rock nacional – Leo Jaime, João Penca, Lobão, Cazuza, Blitz, Barão Vermelho, Kid Abelha, Paulo Ricardo… De alguma maneira, o Front sempre esteve vivo, já que os quatro dividiram diversas dessas experiências juntos (ou quase isso). Portanto, faz sentido celebrar esse peculiar êxito profissional. O mais legal de tudo é a postura para a volta: sem nostalgia açucarada. “Só pensamos em futuro, nas coisas que faremos”, garante Nani. “Não estamos aqui para defender qualquer saudosismo de tempos retrógrados.” Híbrido de pop O Front nasceu como uma banda plural calcada no rock pop, e permanece assim. A diferença é que agora há mais elementos na sopa. “Somos pop, new wave e rock and roll, só que hoje misturados com hip hop, rap, música eletrônica”, resume Rodrigo Santos. Esse híbrido aponta numa direção: a cena atual do mainstream, aquela que movimenta os engajamentos na internet. Para isso, além das músicas, o grupo aposta numa estrutura nada simples para os shows, com produção audiovisual, tecnologia, DJs, arte gráfica e cênica. “Devemos ter participações de artistas com os quais crescemos tão próximos. Será bem bacana”, completa Kadu Menezes. Talvez o trunfo do Front para conquistar seu lugar ao sol de 2023 seja mesmo o que Nani observa por aqui: “O fato de não carregarmos nenhum hit antigo nos torna livres, porque não temos qualquer compromisso com o passado. A expectativa é apresentar esse Front nos moldes do mercado atual. Não pretendemos ser uma banda cover de bar”. Entusiasmo A retomada veio de uma despretensiosa garimpada de arquivos e das conversas entre Rodrigo Santos e Nani Dias. Há algum tempo já pairavam no ar ideias como a de um livro e um documentário sobre o Front. Desse bolo todo surgiram novas composições e uma tremenda vontade de resgatar e repaginar a velha química. Ninguém se opôs ou ficou reticente. “Sempre guardamos essa banda com muito carinho no coração. Quando falamos de Front, acende uma luzinha que todo mundo fica entusiasmado para fazer alguma coisa”, diz Ricardo Palmeira. Se pudermos medir entusiasmo pela quantidade de músicas novas, dá pra perceber que os caras estão a milhão. Nem cinco, nem dez. Nos últimos meses, eles acumularam 50 inéditas, parte já disponível nas plataformas digitais com os recém-lançados Tempo/Espazo e Espazo/Tempo. “Esses álbuns funcionam como um disco duplo de vinil”, explica Nani. “Ambos se complementam para criar uma base de estrutura para o Front se reapresentar. É um repertório que se mistura no espaço, com músicas antigas – algumas com 40 anos de composição – e outras feitas há meses.” O que se ouve são canções de refrãos saborosos, levadas contagiantes e ambiências variadas. Ainda que a temperatura suba aqui e ali, a presença do rock passa longe do chumbo pesado. Há, sim, um quê dançante eletropop de qualidade. Se a ideia é dialogar com a cena atual, o Front acertou a mão. Tempo/Espazo e Espazo/Tempo saíram somente no digital. Porém, Nani conta que planejam versões em vinil. Mesmo diante de um mercado ranzinza em relação à venda de discos, eles têm uma convicção que justifica a investida. “Buscamos um público de vinil, que não está no Brasil”, pontua o guitarrista. “O cara que compra vinil está na Europa. Ainda é um hábito por lá. O vinil é uma linha filosófica para montarmos os álbuns e expressarmos nossos sentimentos.” Agenda intensa O mercado estrangeiro é uma tônica forte no discurso do quarteto. Aliás, os dois discos lançados jogam flertes diversos nesse sentido. O digital e a bagagem de cada um ajudam. No momento, eles estão na Europa, já com uma segunda ida ao Velho Continente também agendada. Os compromissos são em dois celeiros da música mundial: os estúdios Abbey Road (Inglaterra) e Hansa (Alemanha). Gravações para inúmeros fins viram na bagagem de ambas as viagens. “Faremos conteúdo para o documentário, clipes, e isso tudo já é o trabalho andando”, adianta Rodrigo Santos. “Vamos trocando pneu com o carro andando, e fazendo tudo à medida em que as coisas acontecem. Estamos amarradões!”, ilustra Ricardo Palmeira, com uma analogia feliz. O documentário em questão é aquele que paira pelo ar há anos. Será dirigido por Pedro Paulo Carneiro, o quinto Front, como define Rodrigo. O filme terá, entre outras coisas, músicas pinçadas de uma antiga fita cassete de 1983. Quando a correria estiver mais encaminhada, o Front dará o pontapé inicial em sua turnê. O primeiro show oficial tem previsão de ocorrer março de 2024. Por conta do formato tipo superprodução, as prioridades serão festivais. Mas eles não parecem esquentar a cabeça com esse fator, digamos, limitante. O negócio é tocar. “O Dadá Maravilha tem uma frase que é: ‘Não existe gol feio. Feio é não fazer gol’. E eu digo que não existe show feio. Feio é não fazer show. Todos somos estradeiros”, completa Rodrigo. Dando o que falar Com tantas composições inéditas para soltar, as ações não param. O sucessor da dobradinha Tempo/Espazo e Espazo/Tempo já tem nome, 3D. Na esteira dele outros álbuns estão previstos, incluindo um só de releituras para lados-A e B de artistas com quem os quatro trabalharam e de nomes com quem não trabalharam. A receita seguirá a atual: um eletropop eclético e saboroso. “O mundo mudou, nós mudamos também. A tecnologia mudou, e aproveitamos tudo o que ela pode nos oferecer dentro do que achamos bacana”, pontua Rodrigo. Eu Sou do Front, última faixa do Espazo/Tempo, é a melhor descrição da trupe. Autobiográfica, a música celebra a celebração que trouxe o Front de volta.
Sergio Serra: reconexão sem fio
Guitarrista criativo e de sensibilidade à flor da pele. Esse é Sergio Serra, um cara que costuma registrar abordagens sempre intensas. Está na lista dos grandes do Brasil. Seu nome ganhou expressão quando integrou o Ultraje a Rigor. Fez parte da era clássica da banda, nos anos 1980, e ainda reocupou o posto por mais algum tempo nos anos 2000. Mas a lista de trabalhos de sua biografia vai embora: Barão Vermelho, Leo Jaime, Lobão, Legião Urbana, Cássia Eller, Hanoi Hanoi… Hoje, perto de se tornar um sessentão, o músico carioca busca retomar as atividades após um período de quase total reclusão. O atual milênio tem sido desafiador para Serginho. Labirinto abissal “Sempre quis fazer minha carreira solo, ter composições com letras minhas e de parceiros. Meu estilo não tinha nada a ver com o Ultraje. Quando saí da banda, em 2008, gravei Labirinto Vertical, meu primeiro disco solo. Procurei o Paulo Junqueiro, que na época era diretor da EMI. Ele foi meu padrinho de casamento, é uma pessoa querida. Ouvíamos o disco e na terceira ou quarta faixa, comentou: – Não sabia que você era um romântico.– Ah, é assim que você está entendendo? É! Sou, sim. São canções de amor. Continuamos ouvindo, e ele foi pontuando sempre com elogios. Quando acabou: – Sergio Serra, é lindo seu disco! Agora, eu queria dizer uma coisa: não sou profeta. Fique à vontade para levá-lo nas outras gravadoras, mas ninguém vai querer. Isso foi em 2009, acreditava muito que seria contratado. Uma crença já ultrapassada. Não me informei como estavam as coisas. O Paulo até perguntou se eu ouvia rádio, o que estava tocando, e falei que não. – Pois é! Seu trabalho tem conexões com o do Frejat e o do Lulu pop. E essas pessoas não vendem mais CDs. Não posso contratar essas pessoas porque tenho que prestar contas à rainha [alusão à EMI ser uma gravadora inglesa]. Foi um baque! Sou péssimo ator. Fiquei visivelmente chateado. – Eu não podia deixar de ser sincero com você – disse-me. Então, saímos e fomos ver um show. Eu estava arrasado.” Sergio Serra não digeriu bem o baque e se mudou para Teresópolis, ainda em 2009. Na cidade serrana fluminense, onde havia passado a infância, entrou em um processo de desaceleração e desinteresse geral. “Eu estava com vários problemas pessoais. Tinha voltado a beber, pra falar a verdade. Fiquei bebendo por um tempo – e não posso beber”, conta antes de celebrar. “Mas já não bebo há cinco anos. Parei no dia 1º de junho de 2018. O Sergio que está falando contigo também está fazendo uma reformulação de pensamento, mudança de crenças. Quando você bebe, fica muito tempo no negativo. Agora percebi que preciso desprogramar isso. Você vive muita coisa pesada, até o sucesso do Ultraje foi um caos na minha vida. Agora estou procurando ver lados mais felizes. Perdi o foco. Não corri atrás de divulgar o Labirinto Vertical, e foram acontecendo coisas. Passei 14 anos ficando e tocando em Teresópolis, sem investir em meu trabalho. Também usava canabis, que me trazia inspiração, mas estava sem foco algum nem para minha vida pessoal.” Planos horizontais A ideia com Labirinto Vertical era a de recuperação de identidade. Sergio Serra quis apresentar facetas distantes das que o público conhece, bastante linkadas com o Ultraje a Rigor. “Acho um disco muito bom. Só uma faixa é porrada, Você Não Entendeu – não me identifico mais comigo gritando como estou nessa música.” Em 2011, ele gravou um segundo álbum solo, produzido por Klebs Cavalcanti. Sonhando com Drummond conta com Frejat, Otávio Rocha e outros convidados. Embora seja um repertório robusto, o guitarrista também implica com os vocais. “Não gosto como canto nesse álbum. Não canto mais daquele jeito. Pra mim, ficou datado.” A exceção é sua parceria com Ronaldo Bastos, Das Crianças Que Encontro na Estrada. A música ganhou nova versão recentemente e deve vir à tona como single. “Estou com vários planos. Tenho material bom para dois discos de dez faixas”, garante. Sanduíche de ricota na praia A ligação de Sergio Serra com a música vem da infância. Em 1974, saiu o primeiro número da revista Rock, a História e a Glória, com os Rolling Stones na capa. Ao ler a publicação, decidiu que seria músico. Em 1975, aos dez anos, já tocava bateria. “Imaginava: quando crescer, vou tomar drogas que nem o Keith Richards, terei um romance com uma mulher linda que me abandonará e gravarei Layla, o disco duplo de amor não correspondido do Eric Clapton.” Os planos mudaram depois de uma ambiciosa visão infantil: “Ouvindo as jams do All Things Must Pass, do George Harrison, me imaginei no palco e pensei: caramba, se eu ficar lá atrás ninguém vai me ver. Então, não vou tocar bateria. Vou tocar guitarra, pra ficar na frente e ser visto [risos]. Estava querendo ser visto”. Poucos anos depois, em um jantar na casa do Manuel “Manolo” Camero (Tapecar), com quem seu pai trabalhava, surge um diálogo decisivo. Quando Manolo lhe perguntou o que seria quando crescesse, Sergio respondeu que músico. “Meu pai disse que músico tem que estudar, e eu rebati que para tudo tem que estudar. Depois, o Manolo perguntou: – E se não der certo? Respondi que venderia sanduíche de ricota na praia. Meu pai se sentiu envergonhado e me deu um puta esporro.” O guitarrista fez valer sua vontade e os anos mostraram que conseguiu se dar bem. O curioso é que até mesmo o plano B esteve perto de se materializar, décadas depois. O fantasma do vendedor de sanduíche de ricota na praia procurou Sergio Serra após a covid-19 abater o mundo. “Quis abandonar a música, acho que pela falta de grana que a pandemia me colocou. Fiquei dois anos sem tocar. Não sei o que me deu. Perdi o tesão. Foi bem complicado para mim.” Barão Vermelho O baixista Dé é uma figura importante na carreira de Sergio Serra. Foi quem o colocou no Barão Vermelho. A