A capa mais odiada pelo Black Sabbath?

A capa de Born Again é icônica o suficiente para representar o espírito de ame ou odeie que muito permeia esse disco. Lançado em 1983, o registro trouxe a inédita, e nunca mais repetida, versão da banda com Ian Gillan nos vocais. Não por acaso, houve quem os chamasse de Black Purple, uma alusão à fusão Black Sabbath/Deep Purple.

O referido espírito se dá pelo fato de ter uma parcela de fãs que não aprovou o projeto. E até hoje escutamos coisas como “Ian Gillan perdeu a potência de sua voz gravando esse disco…”. mas tudo isso é coisa de quem se apega demais aos ídolos.

Em geral, Born Again tornou-se um álbum cultuado, de alguma maneira especial. O aspecto que ainda causa discussão é sua capa. Essa, sim, mantém a chama do ame ou odeie bem acesa. Se há os que acham de extremo mau gosto, há quem curta. Sinceramente, a primeira vez que vi, achei pertinente com a imagem da banda e o título do registro. Mas entendo quem deteste.

Essa arte saiu das mãos de um cara chamado Steve ‘Krusher’ Joule. Na época, um designer da revista Kerrang! que já havia feito outros trabalhos para bandas. Um deles saiu no ano anterior a Born Again. Foi para Speak of the Devil, disco ao vivo dele mesmo, Ozzy Osbourne, o vocalista original do Black Sabbath.

Krusher apresentou quatro ideias “toscas”, como contou o jornalista e autor britânico Mick Wall em seu livro Black Sabbath – A Biografia (Globo Livros, 2014). Uma delas foi a do polêmico bebê demônio, desenvolvida em cima de uma foto que saiu em 1968, na capa da revista Mind Alive – mesma foto que estamparia o compacto New Live/Shout! (1981), do Depeche Mode (ainda que sugira uma cópia de ideia, não foi esse o caso).

Reprodução

Não se tratou exatamente de algo braçal, exigente. O artista usou fotocópias em preto e branco da imagem para acrescentar garras, chifre e olhos diabólicos no resultado, superexposto.

“Usei a combinação de cores mais horrível que o ácido poderia comprar, distorci um pouco a fonte Old English e me sentei, balançando a cabeça e rindo”, explicou o designer a Wall. Mais tarde, na reunião para apresentar a arte, estavam somente o guitarrista Toni Iommi, que aprovou, e o baixista Geezer Butler, que achou uma merda, mas concordou.

Em uma entrevista ao fanzine Southern Cross, dedicado à banda, o baterista Bill Ward disse não ter tido qualquer participação na capa de Born Again. “Quando eu vi aquilo, odiei.” Quem também expressou total aversão ao tal bebê demônio foi Ian Gillan. Mais enfático que Ward, o vocalista, que já havia se desapontado com a mixagem das gravações, disse ter vomitado assim que viu a capa. Aliás, ficou tão puto que teria destruído todas as 20 cópias do álbum que recebeu.

Antes de falar da repercussão da arte de Krusher, em geral ruim, vamos a um ponto importante. O empresário do Black Sabbath em 1983 ainda era Don Arden (desde 1974), pai de Sharon Arden, com quem já não se dava bem. Sua filha era a empresária de Ozzy, com quem havia se casado em 1982 e se tornado Sharon Osbourne. Existia tensão e rixa entre os lados.

Para termos uma noção da temperatura das coisas naqueles tempos, Ozzy escreveu em sua autobiografia Eu Sou Ozzy (Binvirá, 2009): “Don podia ter pensado que eu era um vegetal, mas do momento em que Sharon comprou meu contrato, ele nunca parou de tentar recuperá-lo – geralmente, por meio de tentativas de foder meu casamento. Ele podia ser bem desonesto quando queria”.

O designer contou a Mick Wall que a ideia para a capa de Born Again era empreitar uma espécie de vingança de Don. Ele queria porque queria transformar o Black Sabbath na “melhor banda de heavy metal do mundo”. Dos planos fazia parte pinçar profissionais que trabalhavam no staff de Ozzy, daí a escolha do próprio Steve ‘Krusher’ Joule. Ou seja, a coincidência ia além de uma curiosa constatação.

“Como não queria perder o trabalho com os Osbourne, achei que a melhor coisa a fazer seria colocar alguns desenhos ridículos e óbvios no papel, apresentá-los e depois tomar umas cervejas com a taxa de rejeição”, disse Joule.

De alguma forma, o tiro do artista saiu pela culatra. Sua postura desleixada para a criação do bebê demônio não surtiu efeito. A capa foi aprovada, e ainda lhe ofereceram quase o dobro do que recebeu pela arte de Speak of the Devil. O pacote contratado incluía a contracapa e o encarte. Ele topou.

Tony Iommi relata em sua autobiografia Iron ManMinha Jornada pelo Céu e pelo Inferno com o Black Sabbath (Belas-Letras, 2021) que Don Arden resolveu levar a capa ao cenário do palco, para a turnê. Ele chamou um anão, mandou fazer uma fantasia que reproduzisse o bebê demônio e apresentou ao guitarrista e Ian Gillan. A proposta chegou a ser colocada em prática e trazia certo quê hollywoodiano. O anão era um dos atores que davam vida aos Ewoks, de Star Wars. Porém, logo no começo, as coisas deram errado, o ator se acidentou, e a intenção do bebê demônio nos shows foi abortada.

De volta à capa, costuma aparecer nas listas de piores já feitas em votações de diversos veículos desde que saiu. História que segue.

Banda: Black Sabbath
Disco: 
Born Again
Produção: Black Sabbath e Robin Black
Arte de capa: Steve ‘Krusher’ Joule
Gravadora: 
Vertigo Records/Universal Music
Ano: 
1983