“Woe to you, oh earth and sea, for the Devil sends the beast with wrath, because he knows the time is short…”, diz a voz grave e sinistra do ator inglês Barry Clayton. A primeira vez que ouvi ao vivo a introdução de The Number of the Beast foi em 1996. Até hoje me lembro daquela sensação arrepiante, que se repetiu das outras vezes que vi um show do Iron Maiden.
Terceiro disco de estúdio deles, The Number of the Beast (1982) mudou muita coisa no heavy metal e na cultura jovem dos anos 1980. Intensificou toda uma mística em torno da coisa do 666, das ilustrações de Derek Riggs e o mascote Eddie. A arte de capa eraum parque de diversões sem fim.
Por tudo isso e um pouco mais, o grupo chegou a ser apontado como satanista. “Quando comprei o disco, fiquei com um medo desgraçado”, lembra Andreas Kisser. “Deixava o disco no fundo da última gaveta do meu armário. Tinha medo da capa, da temática satânica. Mas aos poucos fui ouvindo mais e mais…”
Como muitos na época, o guitarrista do Sepultura conheceu o Iron Maiden pelo clipe (horroroso, por sinal) de Run to the Hills, single de estreia do trabalho. “Fiquei impressionado com o Steve Harris. Foi a primeira vez que vi ele tocando daquele jeito. Foi realmente impactante.”
Quem também se impressionou com o baixista inglês foi Luís Mariutti (Shaman, ex-Angra). “Depois do The Number of the Beast, manifestei o desejo de ser baixista. Eu já ouvia Rush, Black Sabbath, Motörhead, e todos esses baixistas me chamavam a atenção. Mas com as linhas desse disco, a coisa aflorou em mim. Um ano e meio depois meu pai me dava de presente um baixo azul, por causa do baixo do Steve Harris (claro que não era um Fender).”
O Iron Maiden definiu sua receita musical em The Number of the Beast. A produção foi de Martin Birch, um ás no ofício e que muito se encaixou à essência da banda. Era a estreia de Bruce Dickinson, vocalista potente que abriu um vasto campo de possibilidades às composições.
“Pra mim, um gênio do metal”, define Kisser. “Gosto muito do Paul Di’Anno, mas o Dickinson vai mais além. É um cara fantástico, e já mostrou as possibilidades que tinha ali, principalmente em Run to the Hills. O vocal dele nessa é absurdo!”
O contraste por causa do vocal fez muitos se espantarem, e aí está o ponto de partida para a guinada do Maiden, comercialmente. “Eu tinha 11 anos e estava em uma festa. Um amigo que havia comprado o vinil colocou pra tocar”, conta Mariutti. “Quando ouvi aquilo, falei: “Caralho!!!”. Uma mudança significativa de vocalistas. Foi o começo da grande fase do Iron Maiden.”
Apesar desse contraste, Steve Harris (baixo), Dave Murray e Adrian Smith (guitarras) e Clive Burr (bateria) também mostraram uma evolução quase tátil. Se Invaders e Ganglad ainda lembravam a era Killers, as demais derivavam por direções diversas e mais trabalhadas.
“Esse disco apresentou novidades importantes que fizeram a banda soar diferente”, diz Luiz Sacoman (Cavalo Vapor, Plexiheads). “Não só pela entrada do Bruce, com um vocal mais ‘elástico’ e humorado, mas fundamentalmente pela participação do Adrian Smith nas composições – no Killers, foram praticamente todas do Steve Harris. O Adrian é meu guitarrista predileto do Iron Maiden, com solos de frases bem divididas e com um toque de Michael Schenker.”
A parede sonora do Maiden ganhou, sim, corpo. Murray e Smith consagraram ali uma das melhores dobradinhas da música pesada. Andreas Kisser considera a faixa The Number of the Beast um dos maiores clássicos do metal. “Foi um dos primeiros riffs que aprendi, ensinado pelo meu amigo Silas Fernandes. A partir dali evoluí bastante em tirar música de ouvido. Hallowed Be Thy Name é completa de guitarra. Tem tudo ali! Representa muito bem algumas das características mais importantes do heavy metal: o riff e o solo. Tem um instrumental fantástico!”
Luís Mariutti, lógico, vê pela ótica de sua área. “O estilo do Steve Harris de tocar me influenciou muito – por exemplo, o fim da música Time, do primeiro disco do Angra, Angels Cry. Ou então o próximo disco do Shaman (Rescue), em que a música de abertura traz uma linha na onda de Prisoner. Esse disco do Iron Maiden, pelas linhas de baixo serem supercompletas, me influencia até hoje.”
Quatro décadas após sair, The Number of the Beast segue ignorando o tempo. O álbum que projetou o Iron Maiden mundialmente desenhou novas vias no heavy metal. Caminhos estes que continuam a trilhar gerações de bandas. Não parece um álbum que saiu ontem, mas dificilmente enferrujará. Sua força mantém-se imtacta e o vozerão da introdução da faixa-título, ainda é de arrepiar…
“… Let him who hath understanding reckon the number of the beast, for it is a human number, its number is six hundred and sixty-six.”
Imagem: Reprodução