ARTE DE CAPA

Mamonas Assassinas: Mamonas Assassinas (1995)

Imagem: Reprodução

Quando um álbum se consagra, a capa vira uma espécie de avatar desse sucesso. Com os Mamonas Assassinas não foi diferente. Simples e colorida, a capa de seu único disco mostra o quinteto fazendo graça com um mulherão bronzeado e de seios fartos. Uma concepção fiel ao repertório que abriga.

Coube ao artista Mario Busch gerenciar o projeto gráfico. Ele trabalhava no birô de preparação de fotolito dos lançamentos da EMI. Um belo dia, o gerente de marketing da gravadora, Hari Chandra, apareceu e lhe entregou uma fita cassete.

“Disse que tinha uma banda nova que o filho do diretor da EMI havia descoberto”, lembra. “Me falou: ‘Os caras estão investindo neles, mandaram mixar o disco em Nova York. Queria ver se você fazia uma coisa’, aí me deu a demo.”

Busch ouviu as músicas e gostou. Achou engraçadas, meio na vibe do Ultraje a Rigor. Mas surgiu uma questão: o forte de suas criações não estava na veia humorística. “Então, chamei um amigo de adolescência que curtiria fazer o trabalho junto comigo. Ele criou a mamoninha.”

Assim nasceu o layout inicial, só com a mamoninha mascote, para ser apresentado ao quinteto. Busch e Chandra combinaram de encontrar Dinho, Bento, Júlio, Samuel e Sérgio na Anabelle, uma badalada lanchonete de São Paulo.

“Eles eram o que eram no palco. Estavam todos excitados, superanimados”, conta Busch. “Eu já tinha uns 32 anos, então, cheguei na lanchonete e encontrei um monte de fedelhos, porque eles eram muito moleques mesmo. Tudo garoto, e estavam deslumbrados com a atenção vinham recebendo. Sabe quando junta uma turma? Ficavam fazendo patetada. Rolou um monte de piadas. A reunião foi engraçada e rápida. Comemos sanduíche, tomamos milkshake… Aquela porcariada toda que tinha na Anabelle.”

Sobre a sugestão para a capa, “eles adoraram, e disseram: ‘Mas a gente queria fazer uma capa assim’, e plum! Mostraram um desenho, com os peitos e o colar da MA”, continua o designer. “Não sei quem fez. Não me lembro, mas era uma coisa bem tosca, feita em um papel de fax. Na verdade, eles tinham desenhado, passado por fax, e estavam com esse fax. Eu olhei para o desenho e pensei: ‘Merda! O que vou fazer com isso?’.”

A melhor saída veio com o nome de Carlos Sá. “Nós fazíamos finalização de arte para a Grow, que era uma fábrica de brinquedos”, diz Busch. “Ele fazia as ilustrações para as embalagens. Eu tinha gostado muito das coisas que vi. Liguei para o Carlos e enviei o desenho para ver o que podia fazer. Ele me mandou um rascunho do negócio e achei demais.”

Embora não fosse capista, Sá tinha construído um nome no meio publicitário. Em meados dos anos 1990, era um ilustrador generalista requisitado. Quando surgiu o projeto para os Mamonas, topou na hora.

“Nunca havia feito uma capa de álbum. Foi a primeira vez”, conta. “A ideia inicial eram caricaturas dos componentes da banda e a mulher por trás, com os seios.” Além de dar vida ao fax, Carlos Sá criou sua versão para a mamoninha. As duas, dele e do amigo de Mario Busch, entraram no disco – a do Sá é aquela que aparece no fim do livreto, acompanhando o desenho dos Mamonas e a hilária orientação “Recorte e estrague o seu encarte”.

Há quem diga que a Playboy estrelada por Mari Alexandre, de 1992, tenha servido como inspiração para os peitões fartos. A própria modelo reforça a versão, e pelo visto é o que aconteceu. Em uma entrevista ao jornal Extra de 2016, Mari disse que ouviu dos caras que emprestou os seios – sem saber.

“Conheci os meninos durante um show deles em São Paulo. Fui parabenizá-los e Dinho me contou que a capa do CD tinha inspiração na minha Playboy, de 1992. Fiquei surpresa, porque até entrar no camarim, eu não sabia de absolutamente nada. Como tantas pessoas, achava que os seios fossem só uma brincadeira com o nome Mamonas. Foi uma honra, fiquei muito lisonjeada de ter sido musa inspiradora”, comentou Mari.

“Mas não foi bem assim”, rebate Sá, que, na verdade, também não fazia ideia da inspiração. Sua única referência era o esboço no fax. “Foi só um cartoon bem exagerado. Eu simplesmente fiz uma mulher com os seios exagerados. Não usei imagem da Mari para fazer a mulher. Não me lembro por que surgiu essa ideia de ser ela.”

Pendurado no pescoço da musa peituda, o medalhão nada discreto ostentando a genial ideia de adaptar o símbolo da Volkswagen para as iniciais de Mamonas Assassinas. Uma sacada do próprio quinteto. Tudo a ver para quem tinha uma Brasília amarela com roda gaúcha, não?

Carlos Sá levou cerca de um mês e meio para finalizar o material. Além das ilustrações para o disco, o pacote incluía as capas dos singles Pelados em Santos e Robocop Gay – confira as artes na galeria abaixo (imagens: reprodução). Por mais simples que possa parecer, o negócio deu um trabalhão.

“Eu fazia as ilustrações em um papel especial, mascarava e passava o aerógrafo. Depois, tirava a máscara e usava o pincel para os contornos. Era um trabalho artesanal”, explica. “Pra você ter uma ideia de como isso é antigo, hoje faço tudo digital.”

Apesar disso

O layout parecia perfeito, não fosse o porém da gravadora, que pediu inserir foto dos integrantes. “A EMI achou que por ser uma banda ainda começando seria complicado sair com caricatura – caricatura, geralmente, você usa para uma figura muito conhecida”, esclarece Carlos Sá.

Mario Busch ainda insistiu na ideia original: “Falei: ‘Mas, pô, ficou tão legal’, e eles ‘você pode recortar as carinhas deles e colocar no desenho’.” Para completar, eles deram como referência uma vinheta de abertura dos Trapalhões. Não teve jeito nem argumento que os convencesse do contrário.

“Achei que ficaria uma bosta. Então, fiz meio tosco para ver se os caras não aprovavam, e eles aprovaram [risos]”. Sem alternativa, Busch retrabalhou os recortes das imagens, agora caprichando nos detalhes. As fotos usadas foram clicadas por André Paoliello.

“A caricatura é superlegal, muito mais que essa porcaria que a gente fez com a carinha deles. Mas, enfim, a banda fez sucesso, o disco é famoso, todo mundo conhece a capa.”

Além de Busch, o projeto gráfico do álbum contou com a diagramação de Patricia Delgado.

A cara do sucesso

Mamonas Assassinas saiu em 23 de junho de 1995 e embalou por um sucesso que romperia a história. Após as 12 primeiras horas nas lojas, o público já havia levado cerca de 25 mil cópias. Hoje o total computado ultrapassa as 3 milhões de unidades vendidas no Brasil.

O material coleciona conquistas de respeito no país: disco de estreia mais vendido da história; terceiro mais vendido de todos os tempos entre artistas nacionais; e segundo mais vendido da década de 1990.

“Quando escutei a fita demo, achei legal, engraçado, mas jamais podia imaginar que os caras fariam o sucesso que fizeram. Foi realmente uma surpresa”, comenta Mario Busch.

Já Carlos Sá, apesar de não ter tido contato com o quinteto, guarda com carinho a experiência. Nada mau ilustrar a capa de um álbum tão marcante na música brasileira, não é mesmo? “É icônica”, celebra. “Saber que tanta gente curtiu e curte até hoje, é muito legal, prazeroso.”

O fenômeno Mamonas Assassinas ganhou proporções fora do tangível em questão de meses. Deixou muito medalhão nacional no chinelo, comercialmente falando. O que teria sido se jamais tivesse havido o trágico acidente de 2 de março de 1996? Eles voltavam de um show em Brasília quando a aeronave se chocou contra a Serra da Cantareira, abrindo um rastro de 400 metros mata adentro.

Bem, a resposta a essa pergunta não existe. Restam apenas especulações e um punhado de pistas. “Tinha ido fotografar uma capa, acho que do Exaltasamba”, finaliza Busch. “Quando saímos dessa sessão, o Hari Chandra falou: ‘Vai sair o segundo disco dos Mamonas. A gente já está agendando data de gravação e tudo mais. Vai pensando aí em alguma coisa’. Isso foi no sábado, final da tarde. No domingo, eu estava indo a um churrasco quando ouvi a notícia do acidente.”

Legado anticorrosivo

Talvez você também tenha reparado. Difícil uma festinha em que não toque ao menos uma música dos Mamonas Assassinas. Festas de agora, ou seja, depois de quase trinta anos do lançamento do único disco deles. E todo mundo com as letras na ponta da língua.

Um traço digno dos trabalhos antológicos, como de fato é. Perenidade que jamais perde o frescor, que se distancia da coisa datada. O quinteto de Guarulhos (SP) foi brilhante no jeito de fazer graça. Havia muita criatividade ali, o que destaca Dinho, Bento Hinoto, Júlio Rasec, Samuel e Sérgio Reoli do conceito genérico de banda engraçadinha.

Um pouco de atenção, e notamos beliscadas no Red Hot Chili Peppers, The Clash, Sepultura, Guns N’ Roses, Rush, Pink Floyd, The Cure, além de Belchior, Raça Negra e Roberto Leal. O mesmo vale para as letras: os assuntos e termos usados, as situações, os sotaques. Tem até referência à maconha.

“Eram geniais! O som é muito bom, os caras eram inteligentes. Conseguiram falar pelas músicas o que a molecada curtia. Atingiram em cheio. Imagine o ambiente no estúdio. Devia ser muito engraçado, todo mundo rindo muito nas gravações”, completa Carlos Sá.

Os Mamonas capricharam tão bem que sua obra segue ilesa até mesmo ao politicamente correto que corrói os dias atuais. Um legado consistente, cuja capa perpetua-se como o melhor avatar para o sucesso desse álbum.