O Lee Ranaldo que entrevistei já não era mais aquele Lee Ranaldo dos áureos tempos do Sonic Youth. Nem mesmo sua inseparável guitarra estava em primeiro plano. Porém, continuava um cara inventivo.
Em 2020, ele havia acabado de lançar um álbum sem qualquer definição limitadora. Names of North End Women é para curiosos de alma aberta às novidades realmente novas. A obra veio de outra rodada de trabalhos junto com o produtor e compositor espanhol Raül Refree. Desta vez, usaram uma parafernália sem fim, como fitas cassete e samplers, para dar vida a músicas pitorescas.
“Começamos a gravar esse disco com diversos dispositivos eletrônicos modernos que juntamos e com os quais o Raül é bastante experiente. Então, fomos resgatando umas fitas cassete antigas, e descobrimos que rolava algo bem interessante quando combinávamos sons analógicos à moda antiga com os digitais supermodernos”, contou-me para uma matéria no meu site de então, Riffs.
“Não planejamos que haveria pouca guitarra – as primeiras músicas em que trabalhamos surgiram de bases de guitarra. Por alguma razão esse disco não pediu tanto músicas com guitarra. Aliás, provavelmente é o disco com menos guitarra que já gravei em minha carreira.”
Ranaldo andava empolgado com a direção em que levava sua carreira pós-Sonic Youth. Eu também, ainda mais por ser algo distante do velho formato convencional de banda – no caso dele, depois de ouvir seu álbum, achei que veio muito bem a calhar, artisticamente.
“Neste momento, meu interesse é continuar adiante com essa ideia. Não é voltar a ter duas guitarras, baixo e bateria, mas sim experimentar mais a cada gravação.”
Deixar a guitarra em segundo plano não o incomodava. A imagem de guitarrista oriunda do Sonic Youth, principalmente, não o aprisionava. “Sempre serei um guitarrista e sempre tocarei guitarra. Crio muitas de minhas músicas em uma guitarra. Mas em termos de estúdio, tenho me sentido mais livre do que nunca para explorar inúmeros instrumentos diferentes para trabalhar uma ampla gama de estilos.”
Finalizei a entrevista com um tema sempre atual: o público já digeriu sua carreira solo e o fim do Sonic Youth, ou ainda há quem insista na volta da banda?
“Essa é, sem dúvida, a pergunta que sempre ouviremos: quando vocês voltam a se reunir?”, respondeu com uma calma já escolada. “Tudo é possível. Não estamos pensando nisso. Sei que os outros integrantes não pensam sobre isso agora. O Thurston, a Kim e eu temos lançado novos discos que levam cada um a novas direções experimentais. Além disso, passamos trinta anos juntos. Um longo tempo! Quando pensamos nos Beatles, eles ficaram na ativa por dez anos, ou no Velvet Underground, que esteve junto por cinco anos. O que quero dizer é que as pessoas tiveram trinta anos para nos ouvir. Por ora, acredito que estejamos distantes disso. Mas nunca se sabe o que acontecerá no futuro. Gostamos de saber que tanta gente se sente fortemente conectada à banda.”
O tempo caminhou desde a entrevista de 2020, esticando minha curiosidade em relação à sequência da carreira solo de Lee Ranaldo. Até novembro de 2024, porém, nada de tão significante no fronte.
A entrevista foi assim:
Em vez de guitarras, fitas cassete. Como foi escrever um álbum com samplers, cassetes e muita experimentação?
Foi interessante para nós, porque começamos a gravar esse disco usando diversos dispositivos eletrônicos modernos, com os quais o Raül é experiente. Aí, fomos misturando umas fitas cassete antigas, e descobrimos que rolava algo bem curioso ao combinar sons analógicos, à moda antiga, e sons digitais supermodernos.
Não planejamos que haveria pouca guitarra – as primeiras músicas que desenvolvemos surgiram de bases de guitarra. Porém, por alguma razão, esse registro não pediu tanto de guitarra. Aliás, provavelmente é o com menos guitarra que já gravei na carreira.
Você trabalha com o que tem à frente, e neste caso foram outras coisas. Usamos diversos elementos no estúdio: marimbas, surdo, bateria, vibrafone, percussão… A guitarra foi inserida de maneiras bem específicas e não em todas as músicas. Gostamos do baque de coisas antigas, como as fitas cassetes, junto com a parafernália eletrônica moderna.
Nessa forma de compor, quão importante foram as letras para o resultado final?
Para mim, as letras são sempre importantes. Jamais fico satisfeito com uma canção se não tiver uma letra que consideres realmente boa. Esse é um aspecto relevante e que também vale para os vocais. Desde que comecei a trabalhar com o Raül, temos nos concentrado mais e mais nos vocais.
A parte textual em Names of North tomou um caminho único. Juntei-me, novamente, a meu amigo Jonathan Lethem, com quem havia trabalhado no Electric Trim. Esse disco foi feito meio que como uma colagem, uma montagem: reunimos um monte de ideias para ver o que funcionava. Íamos tirando isso e aquilo, acrescentávamos algo, até chegarmos a um bom equilíbrio.
O mesmo aconteceu com os vocais: juntei várias letras, algumas minhas e outras, do Jonathan, e ia pinçando frases de uma e de outra. Daí, me focava em encontrar um jeito de a voz soar, ao invés de deixar as palavras fazendo sentido. Enfim, músicas e letras trazem uma espécie de colagem experimental em sua essência, a qual permeou bastante esse álbum.
O que os inspirou mais durante as composições? Eu chutaria Beatles ou Syd Barrett, mas acho que seria muito clichê.
Sim! Bem, para esse disco, nos inspiramos em muita coisa fora do rock. Por exemplo, em música eletrônica ou ambiências, ou ainda música clássica contemporânea – Ryuichi Sakamoto foi ímpar para esse trabalho, além de Steve Reich. Diversos tipos de música fora do rock, incluindo ritmos africanos, flamenco. Estávamos de olho em outras áreas para alguns dos aspectos da parte rítmica.
O rock está em nossos corações e em nossas bagagens, e sempre aparecerá de alguma maneira. Porém, sabíamos que Names of North não seria um disco de rock. Estávamos interessados numa direção diferente.
Quando trabalhou pela primeira vez com Raül Refree, há alguns anos, poderia imaginar o quão profunda a química entre vocês chegaria?
Não, é sempre inusitado quando se trabalha com um novo parceiro. Quando você inicia uma banda, nunca sabe o que vai acontecer. Não dá para prever que irá se tornar bem próximo dos demais membros e que ficarão juntos por 30 anos, fazendo e explorando coisas diferentes.
Assim que fiquei por conta própria, quando a banda parou, tive que me virar com tudo: criar as músicas, as letras, escolher com quem trabalhar. Porém, agora, com o Raül, encontrei uma nova parceria, que é realmente forte. Por isso colocamos nossos nomes na capa do disco. É como se fôssemos um novo duo. Planejando seguir adiante, juntos, como uma nova entidade. Sim, foi uma colaboração muito estreita. Tudo tem sido superbom!
O que pretendiam, artisticamente, com esse álbum?
Queríamos experimentar e ver se o que criávamos soava único e genuinamente nosso, ao contrário de ser um punhado de influências. Somos capazes de fazer algo muito especial. Então, permanecemos experimentando.
Tenho a impressão de que depois do Sonic Youth seus discos solo tornaram-se mais experimentais do que os que gravou enquanto a banda estava na ativa.
Sei lá, meu primeiro disco, em particular, talvez fosse quase mais tradicional que um do Sonic Youth, porque as músicas eram mais sem tantos barulhos, batidas ou passagens instrumentais estendidas. Mas acho que a coisa foi se desenvolvendo cada vez mais na direção do experimental.
Por um lado, depois de tocar por 30 anos com o Sonic Youth, num formato de duas guitarras, baixo e bateria, meus primeiros discos acabaram seguindo por essa direção. Porém, quando começamos a preparar o Electric Trim, a ideia era: “Vamos mudar o formato! Vamos mudar os ritmos e os instrumentos!”. E acho que, neste momento, meu interesse é continuar adiante assim. Não é voltar a ter duas guitarras, baixo e bateria, mas, sim, experimentar mais a cada gravação.
A internet facilitou a vida de projetos não comerciais, ou, na verdade, eram os artistas que não ousavam tanto de sua liberdade criativa, no passado?
A internet transformou as coisas em vários aspectos. Mudou a maneira como se consome música. Ou seja, as pessoas não saem mais para comprar discos. Você baixa tudo em seu computador. Os streamings mudaram as coisas, para o bem e para o mal.
Adoro o fato de que se eu ler sobre algum som posso buscá-lo na internet e ouvi-lo imediatamente. Isso é ótimo! No começo, eu era um tanto cético em relação a streaming; agora é como ter uma biblioteca de músicas em casa, e acho isso ótimo!
Por outro lado, talvez, o fato de as músicas estarem tão acessíveis tenha banalizado um pouco a coisa. Não sei! Parece que várias pessoas já não acompanham artistas específicos do mesmo jeito que fazíamos no passado, embora eu saiba que ainda há quem acompanhe.
Então, acredito que a internet tenha causado transformações boas e ruins. Não tenho somente críticas. Ela vem mudando nossa cultura.
Você tem um grande número de fãs por conta de sua veia guitarrista, especialmente com o Sonic Youth. Isso te faz sentir aprisionado a essa imagem, como músico?
Não, mesmo! Há alguns anos, passei a fazer umas apresentações com violão. Foi uma mudança radical, de certa forma, para mim e acredito que bem maior para o público. Sempre serei um guitarrista, e sempre tocarei guitarra. Crio muitas de minhas músicas na guitarra. Mas em termos de estúdio tenho me sentido mais livre do que nunca para explorar inúmeros tipos de instrumentos para trabalhar uma ampla gama de estilos. Então, me sinto desprendido dessa imagem. Do ponto de vista dos fãs de Sonic Youth, sempre mergulhei fundo nas experimentações que fazíamos. Essas experiências também significavam atuar sem a guitarra. Então, acho que eles estão prontos para isso.
O público já digeriu sua carreira solo e o fim do Sonic Youth, ou ainda há quem insista na volta da banda?
Essa é, sem dúvida, a pergunta que sempre ouviremos – “quando vocês voltam a se reunir?”! Tudo é possível. Não estamos pensando nisso. Sei que os outros integrantes da banda não estão pensando nisso, agora. O Thurston, a Kim e eu temos lançado novos discos, que têm levando cada um de nós a novas direções experimentais. Além do mais, passamos 30 anos juntos. Um longo tempo! Quando pensamos nos Beatles, eles ficaram na ativa por 10 anos, ou no Velvet Underground, que esteve junto por cinco anos.
O que quero dizer é que as pessoas tiveram 30 anos para nos ouvir. Por ora, acredito que estejamos distantes disso. Mas nunca se sabe o que acontecerá no futuro. Gostamos de saber que tanta gente se sente fortemente conectada à banda.
Como pretendem levar Names of North End Women aos palcos?
O disco é bem experimental, e queremos que os shows sejam bem experimentais. O último grupo que o Raul e eu tivemos era um trio com um jovem baterista dos Estados Unidos. Foi legal, mas acho que as novas apresentações serão supersimples: apenas nós dois no palco, como um duo.
Teremos alguns elementos eletrônicos. Poderá haver momentos em que eu irei somente cantar… Estamos vendo. Queremos que seja como se você fosse assistir a um espetáculo de teatro: com luzes e encenações muito específicas. Não será como um show de rock, mas uma genuína performance dessas músicas e do que fazemos.
Depois de ouvir o álbum algumas vezes, vi em Words Out of the Haze uma ótima música para abrir um show.
Para mim, essa é um dos destaques, e acho que é uma das mais acessíveis. Tem uma parte meio pop, um refrão pop, grudento. Essa é a música que lançaríamos quando o álbum fosse lançado.
*Foto: Tom Bronowski