Um dos melhores guitarristas e conhecedores de timbre que o Brasil já viu faria 63 anos hoje. Hélcio Aguirra foi um verdadeiro alquimista do som. Era um dos pilares do Golpe de Estado, banda emblemática do rock nacional. Mas também deixou bons trabalhos em paralelo, como com seu projeto instrumental Mobilis Stabilis.
Era um sujeito calma, de ar sereno, e bastante simpático. Tive a honra de entrevistá-lo em algumas ocasiões, para a Guitar Player. Em 2006, batemos um papo por conta do lançamento do disco Extra Corpore, segundo do Mobilis Stabilis. Aqui, Aguirra deu uma dica de sua mão pro negócio:
“Em meu trabalho no Mobilis, tento estender ao máximo os limites entre o som limpo e o sujo, adicionando a isso os efeitos de onda, delay e ambientes. E faço do meu equipamento um conjunto artesanal em cada detalhe. Desde a escolha dos pickups, da guitarra certa, de alguns pedais e amplificadores que eu construo, até chegar nas caixas e nos alto-falantes.”
No final, perguntei qual era sua guitarra favorita. Lógico que não tinha uma só, mas o Aguirra escolheu sua famosa Gibson SG de 1964 (“quase toda original”), e ainda contou a curiosa história de como a conseguiu.
“No final dos anos 1970, fui assistir a um show no Palmeiras, de uma banda chamada Zona Franca, que como base do repertório tocava AC/DC. O guitarrista, que também cantava, era o Beto Cruz (conhecido anos depois por integrar a banda Chave do Sol). Ele usava essa SG, que se transformou no meu objeto de desejo desde aquele dia.
Uns tempos depois conheci o Beto pessoalmente no seu bar, o Rainbow Bar, e ele estava justamente colocando aquela guitarra à venda para financiar uma viagem aos Estados Unidos. Eu tinha pouco mais da metade do valor. O Beto disse que aceitava que eu pagasse o restante depois dessa viagem. Apesar da tentação, me senti mal em aceitar aquela proposta, porque queria pagar à vista – mesmo correndo o risco de perder a oportunidade. Fiquei sem a guitarra.
Tempos depois, o Marcus Rampazzo, um dos maiores colecionadores de instrumentos que conheço, me ofereceu uma SG com escudo alto e outras tantas características – como eu procurava. Quando cheguei na casa dele para ver a guitarra, quem encontro: aquela mesma SG, e ainda com os machucados da pintura caprichosamente restaurados pelo Marcão. Dessa vez, eu tinha a grana para pagar.”
*Agradecimento especialíssimo ao Edu Guimarães, pela bela foto do mestre!